A Carta de Carlos para Iara
Carlos Lamarca nascido em 27 de outubro de 1937 e falecido em 17 de setembro de 1971. Pouco antes de sua morte em que ele escreveu o seu chamado Diário de Lamarca, que era uma longa carta iniciada em 29 de junho de 1971 e encerrada em 16 de agosto de 1971. Ele que fora um militar da Academia das agulhas Negra, que desertou-se pois não concordava com o período de chumbo que abateu-se sobre o País.
Virou guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionaria -VPR, e acabou sendo condenado pelo Supremo Tribunal Militar. Lamarca liderou o sequestro do embaixador suiço Giovanni Bucher no Rio de Janeiro. Porém em março de 1971 Lamarca desliga-se desta organização revolucionaria e ingressa no Movimento Revolucionário 8 de outubro, o MR8, organização em que estava Iara Iavelberg porque se apaixonam. Ficam um tempo juntos num aparelho politico no Rio depois vão para a Bahia.
Iara fica em Feira de Santana, levada por outros camarada como o geólogo Cícero, e Carlos Lamarca vai viver numa tenda em Buriti, confinados. E desta distancia vem a saudade e surge uma a longa carta que teve início em junho mas encerrada em 16 de agost de 1971 numa segunda feira..
Era uma segunda feira, e está nela escrita "Segue hoje esta carta. Tenho de fechar e envelopar e não poderei incluir a última discussão que tivemos, inclusive sobre o nosso encontro. A reunião foi até as três horas da manhã. Escrevi a carta para as crianças mas ficou horrível, até estou em dúvida se enviou ou não. Sobre o nosso encontro , iniciei a discussão com o Fio e estou em divergência com ele - ele quer que você venha até a área e eu acho que eu devo ir. Ele levanta os obstáculos clássicos de meu deslocamento, e eu firmo posição que ninguém deve vir na área, pois pode ocorrer de conhecer e acabar tendo de ser absolvida e pode não haver condições. Ao mesmo tempo colocou que eu seria colocado para um reunião em outro mês mas para esse deslocamento seriam criadas condições que hoje não existem. Ora para a reunião do DG vão criar condições porque não criam para o nosso encontro? Não encerramos a discussão. Estou com a posição fechada que ninguém deve vir para essa área. Dia 13 o fio até radicalizou em não levar a minha correspondência. Na reunião radicalizei e mostrei a contradição que vivi aqui. No meu subjetivo mundo se descortinou, não sei o que há - peço a você que não se abra diante de conversa mole de ninguém o relacionamento diante de todos os companheiros devem ser politico e não sentimental, humanos e outros bichos tomem cuidado.
O combatente que chegou de viagem está sendo apontado como quem está vacilando por ter entrado na clandestinidade - não sei se o mecanismo está existindo. Estou com um pé atrás, pois preciso encerrar. quero que você tenha cada vez mais interiorizado que te amo muito, que preciso encontrar-me com você, pois morro de saudade, mas se for preciso adiar o nosso encontro até que tenha condições. Prefiro flexionar , a você vir pode ser envolvida pela dinâmica, para reunir comigo numa puta areal e mato seco onde não teríamos condições de aprofundar nada, e como perigo de sermos vistos. Pressa com você cuidado com DG, o que é isso. Te amo, te adoro, segue e segue essa carta empregnada de amor - vou te ver nem que seja a última coisa de minha vida, mil beijos de seu Cirilo."
Esse fragmento do documento mostra primeiro de tudo que Lamarca tinha um amor e uma paixão louca por Iara. Porém separados pelas condições revolucionárias que estavam vivendo sabiam que o encontro de ambos, por mais simples que fosse era temerário. Ele estava vivendo dias de tormentos e saudades. Tinham os amigos como os companheiros em que discutiam coisas porém mostravam desconfiados com o medo de um infiltrado. E tinham consciência que nem tudo que se fala podia ter todos escutando. É a clandestinidade, faz todos parecer uma pequena formiga que necessita abrir caminhos construindo sozinha, como o beija flor que diante do incêndio na floresta leva apenas água que se bico pode carregar, mas sabe que não conseguira interromper o desastre porém está fazendo a sua parte. E daí a necessidade de focar tudo na ordem politica. Porém dá para ver que Lamarca tinha uma pitadinha de ciúmes de Iara, quando ele pede para não envolver com ninguém sentimentalmente.
Essa carta mostra o momento de tensão que uma guerrilha pode causar na pessoa. E é parte de um momento histórico, que podemos fixar na história, e tentar tirar dela lições. Porém parece que os brasileiros caminham rápido para um retrocesso e não entendem nem mesmo as lições que custaram vidas, torturas e feriram a própria dignidade de um país que mesmo entendendo a sua diversidade cultural pensou na hipótese de transformar numa nação conceitual no stricto-senso da lógica sociológica.
Manoel Messias Pereira
professor de história, poeta e cronista
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