Crônica -a minha história a minha vida - Manoel Messias Pereira


A minha história, a minha vida

O meu sonho de adulto eu construí ainda criança. A ideia de um mundo melhor, de uma realidade mais próxima de um mundo idealizado, pela fantasia dos ativistas, que não se fundamentam nas fantasias mas nas necessidades humanas muitas vezes emergentes, numa re-leitura conjuntural do mundo que aproxima das palavras tidas como sagradas, mas que diverge do conteúdo divino, quando todo o mundo é profano. E neste contexto é que o profanismo aproxima-se das reais necessidades os seres humanos.

Foi ainda criança, que discordava das condições de pobreza e submissão que vivia na sociedade capitalista brasileira. Primeiro morando num casarão, que não era da propriedade da minha família, mas era um casarão que abrigou-nos, enquanto membro de uma família.

Foi num momento histórico, em que uma jovem senhora afro-brasileira, infeliz sem teto para morar com duas crianças pequenas chega na cidade de São José do Rio Preto-SP. È mas o começo de o seu drama tem início quando ela tem morte aparente e é diagnosticada como morta na cidade de Rio de Contas-BA. E assim organiza-se o seu velório, e durante o mesmo ela acorda no caixão após uma madrinha acreditar de que ela estava viva e provocar uma situação trazendo a erva de matruz e erva de santa maria amassar com sal e introduzir na boca da pessoa aparentemente morta. Vem a ideia do milagre e uma promessa sai deste contexto. E quando isto ocorre era apenas uma adolescente de 12 anos.

Vem uma promessa de seus pais de que uma promessa a um santo, e neste caso ao Santos Reis. E três anos mais tarde essa menina da história casa-se com um dos mestres da Folia de Reis. Que era um senhor mais velho do que ela. Viúvo nascido na Bahia na localidade onde hoje está Ladeira da Barra, que antes era chamada de Vila Velha. E assim um homem maduro, com manias, com experiências vividas. Tem com essa moça uma filha. Briga e dentre cinco anos está separado da mulher. O casamento foi feito somente na Igreja já no Estado de São Paulo, na cidade de Cajobi.

A mulher sozinha com uma criança, e uma mala procura por outras formas de sobreviver e passa a cortejar-se com um outro senhor, pelo que sei um português e disto nasce uma segunda filha. E o mesmo também abandona-a. E essa senhora com menos de vinte e cinco anos, que chega a cidade hospeda-se começa a trabalhar como domestica e conhece um outro senhor, poderoso viúvo também com uma família grande e assim ela passa a ter definitivamente o seu terceiro marido. Com ele tem três filho e o mesmo adoece e falece. E essa história de Ana Pereira dos Anjos, minha avó materna que aqui despojou mas não casou-se com o Sr. José Charles.

A certidão de casamento dela com o meu avó Sr. José Antonio de Souza,o senhor da folia de Reis, obviamente que consegui, indo até a Igreja de Cajobi-SP. Por sinal uma bela cidade, e que mantinha na época uma das praças mais bem cuidadas que já vi.Este senhor tinha um irmão que chamava-se José de Souza, e que teve uma filha que acabou casando com o irmão de Ana Pereira dos Anjos. E desta união nasceu o meu pai o Sr. Messias Pereira dos Anjos. Portanto meus pais são primos legítimos.E todos descendentes de baianos que abandonaram a Bahia e vieram para o Estado de São Paulo. São exatamente 12 irmão que para esse Estado veio abrigar-se. Enquanto que outros dois irmãos permaneceram em Rio de Contas ou talvez na cidade de Livramento, não temos por aqui contatos com a família.

E por isto que digo que morava no casarão que foi residência de José Charles, ou seja a família que abrigou a minha avó e que passamos a respeitar como se fosse uma família só, embora sabemos desta limitação. A casa foi pedida e minha avó comprou um pequeno terreno e começou a levantar uma pequena casa onde hoje está o bairro Vitória Regia em São José do Rio Preto-SP.

Minha mãe comprou outro terreno ao lado daquele. Porém o velho paí, vendeu e foi embora viver o seus outros amores uma vez que tinha outras três famílias. Mas sem o dinheiro minha mãe resolveu construir mais dois cômodos e para lá fomos morar. Minha avó com tres meninos adolescentes, minha mãe com três filhos crianças ainda. Era duas mulheres e seis crianças e adolescentes. Todos começam a trabalhar na roça ou na cidade, local em que todos caminhavam quase quinze ou mais quilomentros em estrada de terra para sobreviver.

Os trabalhos de bicos, para quem não tinha mão de obra especializada era difícil e o que se ganhava era irrisório para saldar todas as despesas da casa. Foram tempos turvos. As vezes sentiam que as pessoas mais velhas chegavam cansadas, com as mãos calejadas e com uma migalha de dinheiro e sentia-se impotentes. E eu como criança percebia o drama ali instalado.

E para mudar essa realidade era preciso de estudar. Lembro que comecei a frequentar um catecismo aos cinco anos no bairro Anchieta num terreiro de Umbanda. Mas com cinco anos havia uma dificuldade de entender o que estava escrito nas coisas que me davam em mãos para ler. E teorizei preciso aprender a ler e escrever, dai os meus interesses pelas letras, e minha vó ensinava-se a soletrar, juntando as palavras. E no ano de 1963 entrei na Escola pública.

Era a Escola Cenobelino de Barro Serra, na avenida da Saudade. E foi ali que comecei a produzir as minhas primeiras escritas. E descobri que tinha a facilidade de escrever, de ler, de compreender, de estabelecer redações e relações. Só não escrevia bem se não tivesse uma razão.

Foi na escola que tive contato com os primeiros textos de teatro. Recordo que o meu professor de língua portuguesa era José Eduardo Vendramini, e que ele numa ocasião trouxe um tema que deveríamos escrever e os melhores escritos participava de um concurso patrocinado pela Casas Pernambucana. E era um tema sobre pássaros. Confesso que escrevi uma porcaria de texto, até porque não entendi a proposta. Após isto comecei a ler as melhores redações. E disse que porra, porque esse bosta de professor não disse que era para colocar os nossos sentimentos no papel. Enrolou ficou falando dos conceitos científicos das espécies, um amontoados de pássaros e pede para fazer a redação? Pois bem entendendo isto fiquei pronto. Na primeira oportunidade escrevi a melhor redação da classe e ele leu e disse isto deveria ser exposto no Pátio da Escola.E eu pensei era só ter dito que deveríamos escrever o que sentia e não propor um terrorismo na escrita.

Foi deste professor que pegamos a sua peça teatral que venceu o Prêmio governador do Estado e fizemos uma adaptação sem ele saber. Pois o texto era para o universo feminino, transformamos -a para o universo masculino e apresentamos na escola ele veio até me elogiar, pois disse que revelei a minha voz, que ele nunca tinha prestado atenção. A dois ou três anos reencontrei, e vi que ele esta gagá, não lembra de nada. Que merda a idade hein?

Porém eu era criança e sabia que deveria teorizar o que seria adulto. E assim como disse a professora do terceiro ano que seria professor e escritor, a duras penas é isto que virei. Embora com todas as dificuldades que a vida impõe, com toda a desgraça do processo económico capitalista que é individualista, que competitivo, que é forjado na exploração de um ser sobre o outro onde temos o desrespeito, a discriminação , o racismo como elemento deste sistema. E nada disto é sagrado ou divino. E apenas uma profana violência que sofremos e vamos construindo todos os dias as nossas identidades e brigando numa verdadeira luta de classe. E as nossas dores não são frutos ou fantasias da intelectualidade e sim quem escreve, quem pensa que teoriza e organiza o pensamento humano por um viés que difere do status-quos, faz isto pensando na necessidade exposta, na chaga da existência.

E se discordava do estágio de degradação tristeza de quando criança, eu continuo discordando, ainda mais agora que o poder virou fundamentalista, fascista, um nojo onde mata-se tribos indígenas, onde assassinam jovem afro-descendentes na periferia. E estabelece por uma Secretaria dos Direitos Humanos que há estupro porque as mulheres e as meninas não usam calcinhas. E temos um governo de pessoas sem nenhum escrúpulo, usando e abusando da paciência de todos nós brasileiros, que continuamos coerente sendo resistência e tentando organizar-nos para sobreviver.

Ah! quanto a ideia do divino recordo que na escola disseram que eu não tinha religião e que os cultos afros não era religião, respondi com um sorriso maroto e com um silêncio. Pois a minha explicação para o corpo docente seria jogar pérolas para os porcos. Entenderam ou precisa desenhar?

Manoel Messias Pereira

professor de história, poeta e cronista
São José do Rio Preto-SP/Uberaba-MG
Membro da Academia de Letras do Brasil-ALB


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