Artigo - Politica Indigenista em tempo de Pandemia - Mauro Iasi

Politica indigenista em tempo de pandemia

imagemCharge: Mauro Iasi

A intensificação de ataques aos indigenistas e aos Povos Indígenas

Nota Política da Célula do Serviço Público do PCB/RN

Em nenhum momento da história de nosso país, a política indigenista estatal se voltou para assegurar a totalidade dos direitos indígenas. Antes marcada pelo escancarado extermínio dos povos originários, somente no começo do século XX o Estado brasileiro criou uma instância para desenvolver atividades junto às populações indígenas – o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que viria a ser substituído mais tarde (1967) pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

Até a Constituição Federal de 1988, a política estatal foi marcada pela inoperância no trabalho com os Povos Indígenas e por uma concepção que os enxergam como seres incapazes, como se estivessem em um estágio inferior e que necessitassem ser integrados à chamada civilização branca. Com bastante mobilização e luta do movimento indígena, a Constituição Federal estabeleceu o entendimento dos índios enquanto cidadãos e assegurou os seus direitos, ganhando relevado destaque o direito à terra.

Infelizmente, passadas mais de três décadas da promulgação da Constituição Federal, não se efetivaram os direitos dos povos originários. São inúmeros Povos Indígenas que não possuem a sua terra demarcada como Terra Indígena, e aqueles que possuem a legalidade institucional do seu Território sofrem ataques de madeireiros, garimpeiros e grandes empresários. Para além da questão territorial, ainda é insuficiente as políticas específicas e diferenciadas aos Povos Indígenas no que diz respeito à educação e à saúde. Até hoje várias são as Aldeias que não possuem esse direito básico garantido por Lei e de responsabilidade do Estado brasileiro.

Por outro lado, após a Constituição Federal e, especialmente no período atual, o que se tem acompanhado é o sucateamento, cada vez mais intensificado, do Órgão Indigenista (FUNAI). Esse movimento tem acompanhando as políticas neoliberais de Estado mínimo e de precarização do serviço público para atender a população brasileira – nesse caso específico, as populações indígenas. O número de servidores é muito pequeno e, em muitas localidades, as condições de trabalho são extremamente precárias. Além disso, o orçamento destinado às ações junto aos Povos Indígenas sempre foi muito pequeno, inclusive com diminuição constante ao longo dos anos.

Podemos dizer que o Estado brasileiro, por um lado, relegou a política indigenista e sucateou permanentemente a instância que é responsável por essa política – FUNAI; por outro, incentivou, em detrimento dos Povos Indígenas e de seus Territórios, a intensificação do chamado agronegócio, que promove danos ambientais, sociais e territoriais aos povos originários.
É bem verdade que esse contexto da política indigenista estatal não é especificidade do atual momento político que vivenciamos. A não garantia dos direitos indígenas é marca do Estado brasileiro e de todos os seus governos. No entanto, o governo Bolsonaro consegue aprofundar os ataques aos direitos indígenas e regredir bastante nos parcos avanços que as organizações indígenas e indigenistas conseguiram com bastante luta.

Bolsonaro, desde sempre, demonstrou todo o seu descaso para com os indígenas. Foi assim, inclusive, durante a sua truculenta campanha eleitoral em 2018, quando afirmou que, se fosse presidente, não iria demarcar nenhum centímetro de terra indígena. Bolsonaro tem demonstrado todo o seu preconceito e a sua discriminação, retomando a política ultrapassada do integracionismo, apontando que os indígenas precisam se incorporar à sociedade dita civilizada. Chegou até mesmo a falar que, nesse sentido, “cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”. Um tremendo absurdo que demonstra todo o grau de ignorância e perversidade na condução da política indigenista.

Para além disso, Bolsonaro ataca firmemente o Órgão Indigenista do Estado brasileiro, com nomeações de pessoas para exercer cargos de chefia na FUNAI sem nenhuma experiência ou conhecimento sobre a questão indígena. As nomeações, inclusive, são de pessoas contrárias aos direitos indígenas, como o próprio atual presidente da FUNAI – Marcelo Augusto Xavier –, que é ligado a ruralistas e defensor da exploração de mineração em terras indígenas. As nomeações também contam com pastores evangélicos que defendem o processo de conversão dos indígenas (uma segunda evangelização) e militares, caracterizando o processo de militarização de toda a Administração Pública Federal.

Essas nomeações são extremamente graves, pois colocam o Órgão Indigenista, cuja função seria de proteção e promoção dos direitos indígenas, sob o controle dos ruralistas, inviabilizando não somente novas demarcações de terras indígenas, mas com o risco de retroceder naquelas já demarcadas. Junto às nomeações, ocorrem as perseguições aos servidores da FUNAI comprometidos com os direitos indígenas. Esses servidores têm sido exonerados sem sequer comunicação prévia, apenas por manter os princípios de defesa dos direitos indígenas e buscar atender as suas demandas.

O sucateamento do Órgão Indigenista também está sendo intensificado, sem nenhuma previsão de realização de concurso público para provimento de novos servidores. Em várias localidades é ínfimo o número de servidores para atender um grande conjunto de população indígena naquela jurisdição, o que prejudica o adequado atendimento às demandas indígenas. Bolsonaro ainda não extinguiu a FUNAI, mas faz o Órgão sangrar no atendimento aos Povos Indígenas, pois assim tanto reforça seu suporte aos interesses dos ruralistas, como antagoniza a propósito institucional desta entidade.

O governo Bolsonaro ainda tenta restringir as atribuições da FUNAI apenas às terras indígenas já demarcadas, relegando à deriva as demais situações vivenciadas por inúmeros Povos Indígenas que ainda não possuem os seus territórios devidamente instituídos como Terra Indígena. Ou seja, o Estado brasileiro não garante o direito territorial aos Povos Indígenas e ainda os pune com o não atendimento às suas demandas.

Em tempos da pandemia, essa situação fica ainda mais grave. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), responsável pela saúde específica e diferenciada aos Povos Indígenas, vem sendo sucateada de forma profunda, não atendendo de maneira adequada o conjunto da população indígena em todo o território nacional. Além disso, é notório o intuito do governo Bolsonaro em extinguir a SESAI, como demonstram as tentativas de municipalizar ou privatizar o subsistema de saúde indígena.

Registra-se ainda a subnotificação dos casos de doentes e óbitos de indígenas pela COVID-19, tendo em vista ser considerado apenas o Boletim Epidemiológico da SESAI, que não contempla a totalidade das populações indígenas em nosso país. Essa subnotificação agrava ainda mais o quadro de invisibilidade dos Povos Indígenas no país. Durante a pandemia, o governo Bolsonaro demonstra todo o desprezo pela população indígena, uma vez que não apresenta nenhuma proposta concreta de proteção social a essas populações. Diante da vulnerabilidade dessas populações, a distribuição de cestas básicas – que ainda não chegou a todos os territórios indígenas – se mostra insuficiente.

O direito territorial aqui se mostra como a melhor alternativa para proporcionar aos indígenas as condições necessárias para o isolamento social e as condições objetivas de alimentação. Ressalta-se que os Povos Indígenas que não possuem terras demarcadas se encontram em situação ainda mais vulnerável, uma vez que possuem dificuldades de água, saneamento, espaço para produção de alimentos, dentre outros fatores.

No entanto, o governo Bolsonaro – através da alta cúpula da FUNAI – está na contramão de garantias aos processos demarcatórios das Terras Indígenas, paralisando os procedimentos de demarcação de Terras Indígenas que estão em andamento. Como exemplo, citamos a anulação de procedimentos administrativos de demarcação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, nos municípios de Guaíra e Terra Roxa (PR), do povo Avá-Guarani. Em função de sentença judicial de primeira instância contrária aos direitos territoriais do Povo Avá-Guarani, a FUNAI deveria paralisar as etapas e recorrer da decisão em instância judicial superior. Porém, ao contrário, satisfazendo os interesses de ruralistas e em detrimento das reivindicações indígenas e de sua própria missão institucional, a FUNAI abdicou da defesa dos indígenas e anulou o procedimento demarcatório!
Talvez o ponto mais alto desse descompromisso do governo Bolsonaro para com as populações indígenas tenha se dado a partir da publicação da Instrução Normativa nº 09 da Fundação Nacional do Índio, no dia 22 de abril de 2020. Através dessa instrução, o Órgão Indigenista se transforma em instância de certificação para a invasão de posseiros e grileiros no interior das Terras Indígenas. Ou seja, os invasores das Terras Indígenas poderão requisitar documento à FUNAI para regularizar a sua invasão nos territórios indígenas, inclusive com licenciamento para o exercício de atividades econômicas de impacto ambiental, como extração de madeira.

Registra-se que essa IN nº 09/2020 está relacionada com a Medida Provisória 910/2019, que busca avançar a grilagem em nosso país, podendo acarretar em apropriação irregular de terra e conflitos fundiários de graves proporções. Não é à toa que essa MP é conhecida como “MP da grilagem” e prejudica frontalmente as populações tradicionais, provocando ainda maior concentração fundiária e desmatamentos, em especial na região da Amazônia.

Como pode ser observado, o governo Bolsonaro aprofunda os ataques aos Povos Indígenas, com o retrocesso no direito territorial dessas populações, bem como na concepção da questão indígena, retomando conceitos retrógrados que foram superados com a Constituição Federal de 1988. Por outro lado, o governo Bolsonaro demonstra o seu caráter autoritário e antidemocrático no interior do Órgão Indigenista, com nomeações de pessoas contrárias aos direitos indígenas para as chefias do órgão e com a perseguição aos servidores que se opõem a esse estado de coisas e se mantêm na defesa dos Povos Indígenas. Pelos exemplos citados anteriormente, o governo Bolsonaro objetiva, paradoxalmente, transformar a FUNAI, por meio de sua cúpula de gestão, em uma instituição que atue contra os direitos e interesses dos Povos Indígenas.

O cenário é bastante difícil. Mas existe resistência e existe luta! Os Povos Indígenas de todo o país continuam organizados e recentemente realizaram a 16º edição do Acampamento Terra Livre – ATL, ocorrendo de maneira virtual entre os dias 27 a 30 de abril de 2020. O ATL representa um importante momento de articulação e fortalecimento da luta do movimento indígena em nosso país. Durante uma semana as organizações e lideranças indígenas de todo o país realizaram discussões sobre a conjuntura nacional e mantiveram-se firmes na luta por seus direitos e contra a política nefasta do governo Bolsonaro. O documento final do ATL 2020 pode ser conferido no link: http://apib.info/2020/05/01/acampamento-terra-livre-2020-documento-final/

Além disso, os/as indigenistas da FUNAI, comprometidos com os direitos dos Povos Indígenas, também constroem suas barricadas de luta contra o desmonte do Órgão Indigenista. Ganha destaque a Organização “Indigenistas Associados – INA”, que tem cumprido um importante papel de denúncia das políticas da FUNAI contrárias aos direitos indígenas, bem como na mobilização para a garantia dos direitos dos servidores públicos, como a luta pelo Plano Carreira Indigenista.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) se coloca firmemente ao lado dos Povos Indígenas na luta pela demarcação de seus Territórios e pela plenitude de seus direitos. Estamos convictos de que as propostas dos povos indígenas na luta pelos seus direitos fundamentais devam ser elaboradas e encaminhadas pelos próprios indígenas, que mais do que ninguém sabem das suas reais necessidades enquanto povos permanentemente ameaçados de invasão de suas terras ancestrais, expulsão de seus territórios e até de extermínio.

Defendemos uma política indigenista estatal que rompa com o seu caráter repressivo e autoritário. Que seja construída em diálogo com as organizações indígenas e indigenistas e garanta a totalidade dos direitos territoriais, sociais e ambientais para todas as Terras Indígenas, bem como efetive um Plano de Carreira Indigenista para os servidores públicos, com condições adequadas de trabalho. Seguimos firmes na luta!

Fora Bolsonaro e Mourão!

Demarcação Já!

Pelo Poder Popular e Pelo Socialismo!

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