Revolta Malê
A revolta Malê, um acontecimento histórico, considerado a maior revolta de pessoas escravizadas urbana da América Latina, fato este que ocorreu na cidade de Salvador -BA, organizada por seres humanos negros provindos do continente africanos e que tinham a cultura islâmica e, entre estes os malinkes e que são conhecidos também como mandingos, haussás, fulanis conforme o livro de João José Reis "Rebelião escrava", ou Nagôs, e Yorubás conforme o Livro "As culturas negras no novo mundo"de Arthur Ramos. Com esses negros foram encontrados orações , amuletos muçulmanos, inclusive daí surgiu o que geralmente os cultos negros usam até hoje o chamado patuá.
E num sábado para domingo do dia 24 apara o dia 25 de janeiro de 1835, um grupo de pessoas escravizadas de origem africana ocupou as ruas de Salvador, portanto exatamente à 185 (cento e oitenta e cinco anos) e o fato estava todo planejado para acontecer ao amanhecer do dia 25 dia de Nossa Senhora da Guia, oportunidade em que uma grande celebração parte do ciclo de festa do Bonfim e os seres escravizados não tinham a vigilâncias de seus senhores.
Foi um sábado cheio de rumores e conversas sobre o que aconteceria com dia seguinte, numa casa na Rua do bispo o liberto Domingo Furtunato contou a mulher Guilhermina Rosa de Souza, teria comentado ao pé de ouvido o movimento intenso, inédito de escravizados chegados de Santo Amaro no recôncavo. A conversa adiantava que vinham reunir ao maioral africano de nome Ahuna para promover o levante em Salvador. E o próprio Domingo informou ao seu antigo senhor o Jose da Cunha, pois teve medo e mais vergonha de ir até a casa dele pessoalmente e solicitou a alguém que escrevesse um bilhete revelando o segredo da revolta. E assim o levante chega pela primeira vez aos ouvidos dos brancos representante da elite.
Outro fato é que ao contar a sua esposa Guilhermina Rosa, ela vai relatar a amiga Sabrina Cruz, que relata tudo a André Pinto da Silveira e Antonio de Souza Guimarães que comunica o juíz do 1.Distrito da Freguesia da Sé, José Mendes da Costa, que vai pedir reforço para o Rio de Janeiro. E com isto essa ação de delatores, vai colaborar para o fracasso dos revolucionários e o prejuízo desta luta por liberdade.
E portanto na madrugada do dia 25 de janeiro, o juiz com a sua patrulha, conduziram revistas e nada havia encontrado. É que a partir da casa de Manuel Calafate os africanos se dividiram em vários grupos mapearam toda Salvador,haviam grupos que seguiram na direção à Praça do Palácio (atual praça do Município) e outros seguiram rumo diferente tomando as ruas dos Capitães, Pão de Ló e Ajuda.
O padre Bernadino de Sena do Sacramento saiu do sono em um susto: Acordara com os estampidos dos tiros que deram muito aproximados de sua casa, e uns gritos eram os que pediam armas outros eram das feridas. A cidade entrou em em grande aventura. Na Praça do Palácio, os negros assaltaram a cadeia da cidade, que ficava no sub-solo da Câmara Municipal, para tentar libertar o líder Pacífico Licutan um mestre muçulmano muito estimado. E pensavam também em tomar as armas dos guardas, mas o ataque ali falhou. Haviam soldados aguardando no cárceres. Não consta que haja mortos neste episódio específico mas muitos feridos.
E é importante lembrar que no princípio do século XIX, aproximadamente 70% dos habitantes de Salvador eram negros e grande parte de cultura islâmica. Num momento em que havia uma expansão do islamismo e por meios pacíficos mas que defendia-se diante dos regimes políticos tradicionais que dificultavam a vida dos maometanos.
Alcorão (3:108)
"Allah não quer injustiça contra suas criaturas"
Os rebeldes foram para a rua com roupas com só usadas na Bahia pelos adeptos do islã, e no corpo dos rebeldes que faleceram, haviam papeis com rezas e passagem do Alcorão.
O que chama atenção é que a relação com o povo árabe e os negros no Brasil, é bastante próxima basta lembrar que ao ler o livro de Gerorges Bourdoukan em seu livro capitão mouro em que ele trata de Saifudin o muçulmano construtor das fortificações do Quilombo dos Palmares.
E num dos capítulos de Bourdoukan, constam "Alhamduliláh! Alhamduliláh! Louvado seja Alláh! Glorificado. ...Saifudin, apesar de estar viajando como peregrino, tinha responsabilidades. seu nome significava "a espada do Juízo", e como tal ele não permitiria que humilhasse Alláh.
Esta informações de Bourdoukan, comenta um fato do final do século XVII, mas no livro de Reis, há seguinte informação, "O lider muçulmano Shehu Usuman dan Fodio iniciou em 1804 uma jihád, contra o regime hostil do rei Yunfa de Gorbir num conflito que produziu milhares de seres huamnos escravizados, fulanis e haussás que acabaram no entreposto de Benin. E os líderes desta jihád organizaram o califado de Sokoto, conflito que vai explicar a presença do islão na Bahia o que marcou o império de Oyo e Yorubá.
Mas no entanto os negros de cultura islâmica, observaram que Salvador tinham um grande contingente de negros, porém muitos não estavam afinados ou em sintonias com o que pensavam os haussás, tanto que chamavam os negros islamizados de "estrangeiros" e a ação de 25 de janeiro não obteve sucesso pois houve uma delação entre os negros de cultura cristã.
A rebelião de 1835 surge no meio a um clima político e social tumultuado, tanto na Bahia como no Brasil. Pois sabemos que da Independência do Brasil de 1822, teve resistência em Salvador, e após 1824 a constituição ainda as lutas como da Confederação Equador, a impopularidade de D. Pedro I a sua abdicação e o período de regência, quando o Imperador tinha apenas 4 anos de idade e o Brasil passou a enfrentar uma série de conflitos como Cabanagem, Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, Balaiada, Sabinada e também a Revolta Malês. que estamos tratando nesta crônica histórica.
Os líderes pretendiam tomar Salvador, fundar uma nação muçulmana e ja tinham tradição na luta pela liberdade, com a rebelião de 1807 planejado Conspiração do dia de Corpus Cristi de 28/05/1807, mas houve a revelação do esquema ou na luta de 5 de janeiro de 1809 uma rebelião bastante interessante com aliança de vários grupos étnicos negros como os hausás, jejes e nagôs.
A palavra malê é palavra haussá tomada da língua árabe mú'allim que significa clérigo, professor , mestre entre os líderes deste movimento afro aparecem Manoel Calafate dono da casa em que reunião os rebeldes, outra residência é do escravizado Domingos Marinho de Sá e eles tinham a intenção de libertar Pacífico Licutan, um mestre muçulmano muito estimado que estava preso.
A repressão veio, no Código de 1831 no artigo 113 do Capitulo IV definia crime de insurreição, alem disto o artigo 114 estendia as penas aos homens livres que estivessem no movimento, o Estado puniu severamente a todos os envolvidos e indenizavam os senhores, ocorreram açoites, prisões, foram ainda considerados perigosos. as sentenças de prisões eram de cinco anos. Houve pena de morte, prisões deportações
Os malês encontraram na Bahia de 1835 como diz João Jose reis um campo fértil tentando mudar a sociedade em favor dos africanos a Bahia que vivia uma profunda crise econômica e política, neste contexto o islã ganhou força no Brasil.
Os relatos contemporâneos da rebelião nos levam a crer que foi da casa de manuel Calafate na ladeira da praça da Sé, é que surge o grupo inicialmente responsável pelo ato da insurreição. Mas por outro lado houve um ato deliberado para tomar todas as instalações do governo, foi assim no caso dos quarteis de São Bento. e do largo da Lapa, mas não foi o caso no Forte de São Pedro e na cavalaria e encontrou as tropas da vitoria governamental. Documentos encontrados mostra ações desconexas dos insurgentes por meio de papeis árabes encontrados, que permitem-nos entender que desejavam levantar a cidade e levar isto para o recôncavo levantando a escravaria dos engenhos. Não pretendiam ficar paralisados em Salvador. Os rebeldes não mataram, não saquearam cassas, não incendiaram eles queriam o poder eles tinham um fim político. E não estavam preparados para uma luta convencional. Afinal os negros rebeldes tinham poucos homens e armas.
Foi nesta época que aplicaram o Código Criminal 1831, no seu artigo 113 do Capitulo IV como crime de insurreição a reunião de 20 ou mais escravos, houve uma distribuição de sentenças e neste rol temos se levarmos a tabela que consta no livro de João José Reis, temos pena de morte como de Ajadi Luis Adopiê data no julgamento de março de 1835, mas que no final de julho de 1835 foi em prisão e deportação com perdão imperial. A pena de morte de Inácio outro escravizado proferida em 29 de março de 1835, em agosto de 1835 virou 300 açoites, pelo juri de Cachoeira, a pena de morte do escravo Carlos foi proferida em 10 de março de 1835, transformou em 800 açoites. E assim tivemos de tudo prisão morte, deportação. Houve quem disse que não recorria das sentenças pois não tinham como custear os apelos judiciais. O importante é que essa história que descobri num livro da biblioteca municipal Fernando Costa de São José do Rio Preto, não constava nos compêndios escolares. Porém há alguns anos os professores passaram a narrar isto em sala de aula, embora o escrao de 17 anos Paulo, dizia é melhor levar surras do que morrer, lembrando uma frase de J.L.Borges "Escuro já o aço, a derrota tem a dignidade da vitória"
Manoel Messias Pereira
poeta, cronista, e professor
Membro da Academia de Letras do Brasil - ALB
São José do Rio Preto - SP
BRASIL.
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