Crônica - A abstração da minha utopia - Manoel messias Pereira



A abstração da minha utopia

A vida é um espaço, que temos para construir uma personalidade, viver em compartilhamento, aprender a respeitar e ser respeitado, amar ao próximo auxiliar os que precisam, dar uma parcela de amor a natureza, contestar os erros e o absurdos quotidianos. De aprender a crescer, desenvolver-se, interpretar os signos e suas significações.Elaborar uma história que parte da infância, da adolescência, do período adulto e da velhice. E buscar em todas essas fases o direito da sua existência e a felicidade. Mesmo sendo ela uma abstração de nossas utopia.

Quando criança eu passei obviamente num lar muito pobre,tive um pai que ausentou-se muito rápido da família, pois havia compromissos com outras três famílias, porém creio que foi relapso com todas elas. Porém tive uma mãe que teve o carinho e a força para cuidar de todos nós em casa. E logo que ficou sozinha com seus 25 anos de idade, procurou trabalhar na roça de amendoim, a lavar roupas das famílias de São José do Rio Preto-SP, à trabalhar no armazém de café que havia nesta cidade na  rua Pedro Amaral, como no armazém do seu Jose Munia e no armazém do seu João Leite. 

Na roça de amendoim no final de semana ela trazia vagens que torrávamos numa panela de ferro, no fogão de lenha e isto porque não tínhamos torrador e em casa elaborávamos canudos de papel e assim eu podia seguir o meu tio no campo de futebol, principalmente no Brasil do Morro, onde hoje localiza-se o prédio da EE Professor Jamil Kauan. Era um tempo difícil, mas colaborava com o orçamento da casa que era bem apertado. Pois éramos eu minha mãe e tres crianças, minha avó era ela e mais três filhos adolescentes. Sendo que ela plantava algumas coisas no quintal, criava galinhas, que botava e assim íamos vivendo.Era pouco dinheiro para muitas coisas. Como levantar a casa, por exemplo, ou enfrentar uma gripe ou ficar com quaisquer doença. Era um Deus nos acuda.

Recordo que o tempo em que vendia amendoim no campo de futebol, nunca tive grandes problemas com agressões, pois estava em meu bairro e havia uma malha de proteção de todos dali, que sabia das nossas deficiências econômicas e financeira. Porém ao completar 8 anos resolvi enfrentar um caminhão de pessoas que iam apanhar laranjas num pomar e diziam que eram para a industria de sucos. Sofri com agressões dos adultos que chegaram a jogar a minha comida no lixo, a jogarem várias laranjas em meu rosto, dizendo vamos tirar esse negrinho daqui e todos riam. Eu era um jovem franzino negro e não conseguiria brigar com todos aqueles seres adultos e em muitos. Cheguei a contar para minha mãe e a pedir para um tio acompanhar-me e nisto ficavam quietos, porém quando o meu tio não podia ir, a violência era mais agressiva. Prefiro não relatar com detalhes. Por isto quando vi uma Lei como a do Eca Estatuto da Criança e Adolescência, apoiei, pois falta o atendimento não apenas na criança ou no adolescente mas na família, falta assistência social e naquele tempo falar isto era uma piada de mal gosto.

Logo após os 13 anos passei a tocar bateria, a gostar de música. Enquanto tocava com as pessoas próximas tudo estava bem. Até que aos 16 anos passei a tocar em bailes. Recordo que por vez, um policial fardado chegou até a mim e disse aqui você não pode trabalhar. Outra vez numa cidade vizinha outro policial disse, eu vou te dar uma surra, porque tocar música não é coisa de menino. Acreditei firmemente que era porque era negro. Novamente comuniquei em casa fui até ao fórum e nenhuma medida que eu pudesse ser músico. Porém na minha cabeça eu pensava estou buscando o pão sagrado do dia, não estou vivendo as custas de ninguém, vou continuar fazendo isto. Não bebo, como nunca bebi, nunca fumei, nunca droguei-me. Portanto era tempo de refletir em cada passos que dava. Depois comecei a trabalhar num escritório de contabilidade como auxiliar uma espécie de office boy, e recordo que um cliente, ao me ver entrando no seu estabelecimento cumprimentando-o e apresentando-me, disse em tom alto. Aquele escritório até negro estão contratando é o fim do mundo. Mas não perdi a postura não. E fiz meu trabalho.

Comecei a escrever desde garoto obviamente que cometi erros como todos os garotos. como todos que passaram a lidar com a língua portuguesa. E com um referencial diferenciado, viva num lar que quase todos falavam uma língua portuguesa desconhecida com expressões arcáica, e um dia peguei-me falando como a minha avó, e as pessoas dizia que palavra são essas que linguagem é essa. Foi daí que passei a ficar a reparar outras pessoas conversando, e fui moldando a minha língua portuguesa. Outro serviço que ajudou-me foi o rádio. Fiquei apaixonado pelo rádio. E nele fiz entrevista, contestei o sistema e até tive um programa semanal por dois anos e três meses. 

Ao longo da vida estudei contabilidade, depois Estudos Sociais  e enquanto estudante fundei a  entidade Fusocaab, juntamente com José Luckas Chandobeck(falecido), João Roberto Mendes, ja(falecido) João Aparecido Cruz, aposentado   José Afonso Imbá (falecido) me tornei professor, passei a fazer pequenas substituições em escolas públicas, depois nos inícios de 1980 casei perdi o emprego que tinha numa gráfica e passei a a trabalhar de vendedor, de auxiliar de escritório, em supermercado, até que um dia fui chamado na Universidade pelo trabalho que realizava em relação a cultura afro. Lancei um livro em 1986 depois participei de outro livro do grupo quilombo-hoje.Voltei a Faculdade e cursei história, depois tentei fazer o curso de pós graduação em Literatura comparada e somente mais mais tarde o curso de pós graduação em  africanidade e um outro curso de extensão universitária também em africanidade. Neste interím prestei o concurso de professor da rede Estadual e assumi uma cadeira. Trabalhei em Guapiaçu-SP, São José do Rio Preto-SP, Sumaré-SP, e por fim na cidade de Mirassol-SP onde aposentei-me.

Uma coisa que sempre perguntam-me, a minha religião, e a minha formação política. São coisas que pertencem a minha construção identitária. Sempre fui marxista-leninista, e para isto precisei estudar, e pertenço ao Partido Comunista Brasileiro -PCB a mais antiga agremiação da história do Brasil, e quanto a religião tenho uma formação eclética, porém sem dispensar as minhas raízes afro-brasileira.

Como negro tive uma formação toda afro, pois minha mãe tornou-se na sua história também uma mãe de santo, que inclusive escrevia em jornais. Fui iniciado em Umbanda, lia muito e comecei a questionar o sincretismo, e para tanto foi preciso dar uma boa estudada para fundamentar as minhas argumentações. Com o meu casamento constitui uma família, com dois filhos e uma filha. Dos três todos casados tive cinco netos. Hoje esses filhos me acompanham na minha luta pela transformação social, seja no Coletivo Negro Minervino de Oliveira, seja na busca de uma sociedade fraterna, igualitária, solidária e de classe popular. Hoje eu também sou idoso, aposentado, preciso e luto para que todos possam ter uma existência com o respeito devido e necessário. Ah! quanto a felicidade creio que continua sendo uma abstração de nossas utopias. 


Manoel Messias Pereira

professor de história, cronista e poeta
Membro do Coletivo negro Minervino de Oliveira -São José do Rio Preto-SP
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto-SP, Uberaba-MG







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