Cronica - A Imagem construída - Manoel Messias Pereira


A imagem construída

Um dia fui criança, fui adolescente, sou adulto e um ser humano que já chegou na chamada terceira idade. Como ser humano afrodescendente, tenho  nesta vida observado que foi difícil para mim ter uma construção de identidade afro num contexto ideológico em que a história a filosofia, a religião impunham um padrão, de imagem europeizada.

Quando lembro das lendas, das piadas, do que acreditavam meus familiares, das músicas, eu sempre via uma imagem estereotipada de negro. E enquanto criança você tem que romper com uma série imensa de possíveis valores, do que é bom construindo e destruindo mitos e nem sempre nesta ação filosófica é possível compartilhar o que pensamos com outros garotos e daí as vezes via que era melhor fechar em mim mesmo.

Há vários exemplo disto, principalmente quando estava no terceiro ano de grupo e recebi uma estagiária que veio conversar comigo, e ela perguntou-me qual era a religião que professava na minha casa. E eu na minha santa inocência disse que a minha família era de umbandista. A moça deu um pequeno risinho e disse isto não é religião. Mais tarde uma outra professora disse, vocês precisam aprender de que religião significa a crença no ser superior que construiu o mundo e que alguns meninos principalmente os negros confundia crença com religião. E deu alguns exemplo de religião como, cristianismo, budismo, bramanismo, neo-bramanismo, islamismo, induísmo. E assim fiquei observando e aprendendo toda a teoria dos chamados especialistas. Quando trata da representação de um Deu, via o ser branco, um Jesus de olhos azuis e loiro. E dizia que o ser humano foi feito a imagem a semelhança de Deus.

Diante disto eu ria, e disse prefiro não ter Deus, prefiro não ter religião.Quando vieram novamente perguntar qual era a minha fé professada na minha casa disse  não temos mais religião. Pois o ser humano nasceu e tem a semelhança de Deus. como Hitler, como Mussolini, aqueles que conseguiram provocar as grandes guerras que construíram construir as destruições as grandes crises, as grandes desgraças. diante deste exposto quero distância deste Deus. Mas essa imagem eu construí para mim e não tinha a mínima coragem de compartilhar nem com um irmão que fosse.

Portanto diante de uma sociedade, que me via como um ser exôtico, que não tinha a cor do Deus, mas do pecado, que dizia, que ser humano era somente branco, como alias estabelece a chamada politica do branquiamento. Eu criei toda essa ilusão destrutiva da religião e passei apegar-se ainda mais as minhas raízes. Portanto na minha casa desde os cinco anos aprendi a tocar o meu tambor, aprendi a declamar os meus versos para a minha mãe, e recordo, que devia fazer uma declamação no dia das mães no Catecismo do Terreiro de Oxóssi, lá na Anchieta, do padrinho seu Chiquinho isto em São José do Rio Preto donde nasci mas por não ter como ir, pois estava descalço  pois a minha alpargata havia  rasgada e morava quase trinta km de distancia do local e tinha que ir seguindo a linha do trem. Mas eu tinha apenas cinco anos, não conseguia chegar. Não havia transporte público em todas as localidades da cidade como é hoje. E mesmo que tivesse não tinha dinheiro para pagar a passagem. Pois bem passou.

Porém escrevi mais versos, assim que aprendi a escrever do que qualquer poeta sobre os dias das mães e depois de adulto consegui a permissão de meus textos até para as crianças que frequentava a creche São Sebastião da cidade de Guapiaçu, onde em cada mimo do dia das mães tinha um verso meu. Sem contar  que fiz Cds gravando poesias, tive livros com poesia e nesta representação sempre inspirei na minha mãe, yalorixá, negra, passei a integrar filosoficamente a vida por uma lente preta e valorizar o que mais era importante. entendendo a cultura do outro, mas alicerçando nos valores da minha. Sem paixão, lembro de algumas frases da minha que dizia a cultura do outro tem problema. Só ria pois a resposta era simples e desafiadora. E prefiro ainda não escrever sobre isto.

Assim fui superando e driblando a cultura do branquiamento. Quando era adolescente comecei a apresentar-me em festinhas, baile, e o que via era que as pessoas tinha um certo desprezo pelos artistas nacionais. Quando você tocava samba dizia é só isto que sabe, quando você dizia toco o samba estilizado uma bossa nova. Já dizia que tinha valor. Observei que as raízes do negro precisava ser valorizada. e recordo que estabelecemos o grupo musical "Irmão Morenos", como o Benedito Natal Barbosa que eram o nosso líder e tínhamos num repertório todas as músicas brasileiras inclusive sessenta sambas entre xotes, baião, forrós, e passamos a ter um certo preconceito de alguns clubes, mas muitos destas organização hoje até fecharam. Aos poucos fomos vencendo a barreira do preconceito musical.

E ainda adolescentes resolvi organizar um grupo de estudo de cultura negra. Enviei um convite a várias editoras e escritores negros e a resposta era que viriam sim desde que tivesse uma infra- estrutura de hotéis, divulgação, é desta forma cheguei a conclusão de que precisaria juntar forças. Resolvi falar com minha mãe, que foi frontalmente contra e disse voce quer chamara a tenção sobre nós seremos massacrados pelos brancos. E diante das dificuldade era adolescentes não tinha a maioridade,  não tinha ninguém que pudesse confiar num garoto como eu que inclusive queria comprar o livro de Pierre Verger, lá na livraria Martins de sr. João Martins mas o meu ordenado não dava. Queria organizar um grupo de estudo mais que não tinha nem lugar. Sofria com tantas frustrações de garoto. Tive oportunidade de começar a escrever e espalhar o que escrevia. Comecei a ser conhecido por isto, mas de certa forma também desacreditado num grupo de amigos, que achava que eu só escrevia, não tinha namorada, não fumava e não bebia e nem frequentava igreja e nem grupo de jovens me achavam estranho. Era como um estranho no ninho. Bem eu até fui em encontro na Igreja São Judas Tadeu, achei um tédio, uma chatice. Em outras palavras um saco.

Terminei meu segundo grau fui para faculdade e descobri um professor, que lia alguns de meus texto e dizia que devíamos fazer um jornal na Escola, fiquei três anos naquele curso e o jornal não saiu deixe vários texto com ele. Comecei a escrever nos jornais, pequenos poemas. E fiquei conhecido por isto, por buscar a minha identidade, por contestar o status- quos, por surgir em diversos acontecimentos e dar as minhas opiniões, em ser um chato no sentido stricto da chatice. Assim fui construindo uma imagem e destruindo os muros do preconceitos, da intolerância racial e dizendo o que eu sempre pensava, embora houvesse quem não gostasse. Até hoje há quem deve me achar um arrogante, mas é uma imagem construída.

Essa construção de ser pensante que tracei, tem uma busca crescente de um eu negro, de um ser centrado no respeito coletivo, percebi a muito tempo que o meu povo negro foi e é ainda massacrado pela sociedade brasileira, percebi que as religiões de matriz africanas tem sofrido com a intolerância religiosa, tenho percebido que a educação estava apartada do contexto cultural dos negros, que a cultura estava mais para a população alemã e italiana do que para a diversidade de negros de mestiço, e ainda hoje lembro do sorriso mais lindo era de uma garota cafusa que estava na minha sala na escola e os meninos falava, " eu até namoraria ela mesmo sendo cafusa", e eu pensava há um conjunto de preconceito nas falas destes garotos e como minha mãe dizia o defeito deles é que eles são brancos, tem filosofia defeituosas.

Como dizia José Domingues o meu primeiro professor de filosofia, um ex-padre, todo ser é um ser pensante, todo ser é portanto um ser filosófico, se as pessoas precisa pensar dentro de um caixa, sem entender que filosofia não em método, não tem objecto de estudo e não tem objectivo mas sim é o pensar, e que pensar é a plena liberdade. E a liberdade precisa nortear todas as discussões, alicerçar todas as condutas, utilizando inclusive as ciências aquela que tens métodos, objecto de estudo e objectivo e entendendo que elas precisa de um tempo para apurar e serem apuradas, e sempre superadas, pois assim é que o mundo caminha. E assim creio que o tempo é dialético, assim como o pensar livre para evoluir nas ciências sociais na ternura antropológica, na feitura sociológica na descoberta dos enigmas e na solução pacífica das interferências intelectuais de nossas existências.

Como professor lembro do Coned que ocorreu na UFMG, quando um professora de Brasília que esqueci o nome, trouxe um painel de trabalhos de alunos, e neste trabalho a ideia de bom era branco de a ideia de mau era de negro, passei até observar as histórias infantis, resolveram imaginar porque o lobo mau tem que ter a cor preta hein? Brincadeira a parte há o mal e o mau gosto no contexto hein?

E assim eu que fui criança, fui adolescente, fui adulto e ainda hoje sou mesmo indo para a terceira idade, sei que o processo de evolução acabará num repente sendo atropelado por um revolução que precisa de uma transformação mesmo que seja na rapidez mas ética. Em que todos possam respeitar, entender, compreender que a verdade nem sempre está na nossa boca ou no nosso colo ou na nossa concepção de mundo, mas também não está com o outro ser , e sim está em plena discussão humanamente possível.

Manoel Messias Pereira

professor, poeta cronista
Membro da Academia de letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto-SP, Uberaba-MG.

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