Crônica - A Lama - Vicente Serroni



A Lama

Mariana é um nome delicado, singelo, que ecoa docemente aos nossos ouvidos. Mas Mariana, ainda com seus olhos embotados de lama, aço e lágrimas ainda chora pelo que passou há três anos. E hoje ela chora muito mais, isto porque de nada valeu ter passado por tanto sofrimento se o homem que já havia fechado os olhos para o seu martírio, deixou que tudo acontecesse novamente ali bem pertinho dela.


Desta vez a lama desceu muito mais impiedosa, com muito mais força, foi levando tudo que encontrava pela frente, casas, carros, vegetação, concreto, animais. Mas o que ela fez foi ainda infinitamente mais cruel, levou junto muitas vidas humanas.De onde ela veio? Veio da insensatez, da irresponsabilidade, da ganância, da omissão, da insensibilidade de empresários, autoridades e governos.

De que adianta agora multas volumosas; bloqueio financeiro de bilhões; o blá blá blá de que os responsáveis serão punidos rigorosamente; as leis serão mais severas; a fiscalização será rigorosa. De que adianta sobrevoar a área afetada para calcular o estrago que foi feito. Tudo isso é o que deveria ter sido feito antes, o depois agora desce amargo, sujo, sofrido e inaceitável. A lama que tirou tantas vidas em Brumadinho tem que respingar, encrustar, ser um visgo pegajoso na consciência de muita gente que agora tenta se esconder atrás de justificativas hipócritas.

Quantas vezes fui cobrado por participar de atividades onde o que ouvia era "pare com isso, você é mais um destes chatos sonhadores". Sou militante do Greenpeace desde 2002, minha matrícula é antiga, não atuo em campo, mas assino constantemente abaixo assinados contra absurdos como o de Mariana; como esse de Brumadinho. Gostaria hoje de ser mesmo tachado de sonhador, queria que a catástrofe dessa barragem fosse um sonho e que amanhã nada disso tivesse acontecido. Mas é real, por isso, "homens em seus altares inatingíveis", não menosprezem as Ongs ambientais e sociais; os ativistas que lutam por um mundo melhor, os ambientalistas, escutem, não fechem os olhos, não tapem os ouvidos, não sujem suas mãos de lama!

Há alguns anos, quando um trem de carga descarrilou na minha cidade, São José do Rio Preto, matando várias pessoas que estavam dentro de suas casas, por conta própria criei sozinho e vesti, uma camiseta com os dizeres "Fora trilhos, fora trens". Era o meu grito contra o descaso e a imprudência. Os trilhos ainda estão no mesmo lugar, dizem ser seguros agora. Será? A Barragem de Brumadinho, inoperante desde 2015 também era segura. Não podemos mais aceitar calados casos como o de Brumadinho, não mais!


Vicente Serroni

jornalista, romancista, poeta, e cronista brasileiro
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto -SP

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