Escadas rolantes
Meus passos eram lentos, estava mesmo sem muita pressa naquele dia, final de ano, o Natal já se aproximando e as férias ali, batendo à minha porta, quase chegando. Estava num grande centro de compras, meio que absorto tentando me lembrar pra que mesmo eu havia entrado naquele lugar.
Ao pisar no primeiro degrau da escada rolante ergui os olhos e lá no topo avistei-a vindo na contramão. Minha alegria ficou expressa em meu sorriso que se abriu para recebê-la!
A rapidez daquele encontro não foi o bastante para impedir que um filme viesse à minha cabeça, quase que um "La La Land", tudo voltando ao passado, o portão se abrindo, dezenas de estudantes, ela entrando apressada, mas sem antes não dirigir o seu olhar na minha direção, acenar com a mão e gritar um bom dia. Depois disso eram longas horas até o intervalo das aulas para depois eu poder vê-la novamente, ficar aos seu lado, receber seu carinho e sua ajuda. Esses momentos se repetiam durante toda a semana, mas nos finais de semana isso era finito.
Conheço muitas histórias de escadas rolantes, algumas engraçadas; outras nem tanto. Sei de crianças que dão um show subindo por elas; mas também conheço adultos que têm verdadeiro pavor, preferem as escadas comuns a ter que enfrentar essa não tão moderna invenção. Certa vez assisti uma senhora fazer um ritual para subir, ensaiou várias vezes, colocava e tirava os pés, virava de costas, acho que fazia alguma oração porque terminava fazendo o sinal da cruz. Vencido o medo, aquela senhora meio que cambaleando suspirava aliviada quando já embarcada se dirigia ao seu destino.
Mas ali, naquele dia, com toda a minha experiência em escadas rolantes quase fui cena para uma vídeo-cassetada. Talvez o fato de tamanha euforia por aquele encontro inesperado me fez esquecer da dinâmica das escadas; uma sobe, a outra desce, não existe um freio, quem sobe nunca se encontra com quem desce. Até quis que aquela magia do passado pudesse paralisar aquele momento, mas foi em vão, o tempo somente permitiu um afago de mãos, quis beijar o seu rosto, quase caí. Senti que as pessoas até torceram para um final feliz, porém os destinos foram outros, ela ao pé da escada e eu nas alturas, muito distante do que eu gostaria que tivesse acontecido. Não voltei, nem ela subiu. Dissemos Feliz Natal um para o outro e ficamos nos olhando, não encontramos forças para qualquer aventura. O tempo talvez tenha causado algum efeito em nossas vidas. Sobraram dois acenos para depois desaparecermos dos nossos olhares.
Meu corpo ainda forçou-me a buscar alguma lembrança, mas aos avistar novamente as escadas rolantes, vi que elas traziam e levavam pessoas que não cabiam naquele meu sonho!
Vicente Serroni
escritor, jornalista e músico
São José do Rio Preto-SP
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
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