Artigo - Jesus na Goiabeira - Elenizia Bernardes



Jesus na Goiabeira
O Jesus Cristo da goiabeira de Damares Alves é, em Psicofisiologia, aquilo que se convencionou chamar de “estratégia de coping” – um mecanismo cognitivo-comportamental forjado pelo cérebro humano quando, obrigado a enfrentar situações extremas, não encontra saídas imediatas. Coping é comuníssimo em crianças reiteradamente estupradas ou expostas a qualquer outro tipo de abuso prolongado.
Sobre a polêmica da semana, diz a futura Ministra dos Direitos Humanos: “‘Fui abusada dos seis aos oito anos, inúmeras vezes. Eu tinha um pé de goiaba no fundo de minha casa e era lá que eu chorava sozinha. O meu agressor me convenceu de que eu era culpada do abuso. Eu mandava todos os sinais e ninguém via, não podia falar porque tinha uma ameaça: ‘se você falar, seu pai morre’. Aos 10 anos eu quis morrer.”
Segundo o boletim epidemiológico divulgado pelo Portal SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, O Brasil registrou, entre 2011 e 2017, um aumento de 83% nas notificações de violências sexuais contra crianças e adolescentes. No período, foram registrados 184.524 casos, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.
A maior parte dos abusos se deu em casa. Os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares. O Sistema também atesta que a maioria das agressões é praticada mais de uma vez.
A menina que Demares Alves foi, um dia, tem minha irrestrita solidariedade. Ela personifica um Brasil patriarcal, tão obsoleto quanto destruidor, que monstrifica homens, imbeciliza mulheres e arruína – na maioria das vezes, de modo irreparável – a infância. Um Brasil que precisa ser transcendido por todos aqueles e aquelas que já compreenderam que paternidade e maternidade não são, em definitivo, pra todo mundo mas, uma vez tendo filho, não se escapa impunemente à parentalidade responsável. Quem é você, analfabeto emocional, que não decodifica “todos os sinais” emitidos por sua criança que chora, ,sozinha, no quintal de casa? Que presença é a sua que faz seu menino, sua menina, encontrar conforto entre os galhos de uma goiabeira, mas não em seus braços? Que impressões você transmite a seus amigos e parentes a ponto de lhes parecer tão convidativo estuprar (e por anos a fio!) seu filho ou sua filha debaixo de seu teto? As relações familiares precisam ser repensadas!

A menina que Demares Alves foi, um dia, tem minha irrestrita solidariedade. A mulher que ela se tornou, não. Ela confirma o quanto a lisergia religiosa soterra qualquer vestígio de vida nas catacumbas do cinismo. Inadmissível que alguém com tal bagagem de dor ocupe um ministério precisamente no governo do sujeito que, não bastasse enxergar em Carlos Brilhante Ustra um herói, diz a uma colega de Câmara que “não a estupra porque ela não merece”. Abominável que tenha afinidades com um projeto de poder conquistado sob as curras que foram o kit-gay e as mamadeiras eróticas.Também a nossa Democracia, tão menina, foi estuprada!
Terrível que, ao invés de reconhecer na figura do educador a proteção ( não raro, a única!) de crianças e adolescentes contra abusos sexuais, Damares (justamente ela!) se alie aos defensores da Escola Sem Partido. Não há justificativa para o “Bolsa Estupro”, para a violação da laicidade escancarada na torpeza que é saquear reservas e catequizar índios. Nenhuma condescendência. com a fé caolha de quem vislumbra seu agressor no Estado de Direito e intenta transformar traumas não-elaborados em políticas públicas.
A senhora Damares Alves precisa de amparo, sim. Psiquiátrico.
Chega de anestesiar dores profundas num religiosismo raso! Abstemia, num primeiro instante, desarvora. Por fim, liberta.
Gaslighting é inaceitável! Ninguém tem o direito de transformar sua tragédia pessoal em flagelo coletivo. Da linha de tempo de
 Elenizia Bernardes

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