Carlos Drummond de Andrade
nascido em Itabira em 31 de outubro de 1902 e falecido em 17 de agosto de 1987 no Rio de Janeiro
foi poeta, contista, cronista
editor de jornal
funcionário público
Nosso Tempo
Este tempo de partido
tempo de homens partidos
Em vão percorremos volumes
viajamos e nos colorimos
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo sapatos
As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei
Meu nome é tumulto e escreve-se na pedra.
visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certeza de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.
Calo-me, espero, decifro,
As coisas talvez melhorem,
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há anos,
perderam o sentido, apenas querem explodir.
II
Este tempo de divisas.
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.
Mudou-se a rua da infância
E o vestido vermelho.
Vermelho
cobre a nudez do amor
ao relento, no vale.
Símbolos obscuros se multiplicaram
Guerras, verdades, flores?
Dos laboratórios platônicos mobilizados
vem um sopro que cresta as faces
e dissipa, na praia, as palavras.
A escuridão estende-se mas não elimina
o sucedâneo da estrela nas mãos.
Certas partes de nós como brilham! São unhas,
anéis, pérolas, cigarros e lanternas,
são partes mais íntimas,
a pulsação, o afego.
é o arda noite é estritamente necessário
para continuar, e continuamos.
Carlos Drummond de Andrade
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