Dia 19 de agosto dia do Orgulho Lésbico -Marcela Tosi

19 de agosto: Dia Nacional do Orgulho Lésbico

“A existência lésbica inclui tanto a ruptura de um tabu quanto a rejeição de um modo compulsório de vida. É também um ataque direto e indireto ao direito masculino de ter acesso às mulheres. Mas é muito mais do que isso, de fato, embora possamos começar a percebê-la como uma forma de exprimir uma recusa ao patriarcado, um ato de resistência. Ela inclui, certamente, isolamento, ódio pessoal, colapso, alcoolismo, suicídio e violência entre mulheres. Ao nosso próprio risco, romantizamos o que significa amar e agir contra a corrente sob a ameaça de pesadas penalidades. E a existência lésbica tem sido vivida (diferentemente, digamos, da existência judaica e católica) sem acesso a qualquer conhecimento de tradição, continuidade e esteio social. A destruição de registros, memória e cartas documentando as realidades da existência lésbica deve ser tomada seriamente como um meio de manter a heterossexualidade compulsória para as mulheres, afinal o que tem sido colocado à parte de nosso conhecimento é a alegria, a sensualidade, a coragem e a comunidade, bem como a culpa, a autonegação e a dor.” Adrienne Rich em Heterossexualidade compulsória e existência lésbica
A organização lésbica brasileira se inicia no começo de 1979 quando algumas mulheres ingressam no SOMOS, primeiro grupo homossexual do país, formando um subgrupo que recebeu várias denominações (facção lésbica-feminista, subgrupo lésbico-feminista, ação lésbica-feminista) até fixar-se, em sua breve vida (de 1979 a meados de 1981) com o nome de Grupo Lésbico-Feminista (LF). Este grupo será pioneiro no tratamento da questão homossexual dentro do movimento feminista brasileiro e da questão da mulher dentro do movimento homossexual, bem como na elaboração da primeira publicação lésbica do país, ChanacomChana.Em outubro de 1981, após conflitos internos, as que optaram por dar continuidade à militância especificamente lesbiana e feminista (Miriam Martinho e Rosely Roth), fundaram o Grupo Ação Lésbica Feminista(GALF).

Nova York. 1969. Gays, lésbicas, travestis, drag queens e transexuais, como muitos em todo mundo, viviam sem poder expressar sua identidade e sexualidade. Um dos únicos espaços de liberdade eram casas noturnas, como o Stonewall Inn, um bar em Greenwich Village. No dia 28 de junho, Stonewall se tornou espaço de repressão e violência e também um marco para o movimento LGBT.

Uma batida policial invadiu o bar, sob a alegação de falta de licença para a venda de bebidas, mas em clara ação de lgbtfobia praticada pelo Estado. A repressão da polícia de Nova York no bar não era inédita. Desta vez, os frequentadores, revidaram os ataques, dando início ao que ficou conhecido como a Revolta de Stonewall.
1983. São Paulo. Lésbicas tornaram o Ferro’s Bar, na Rua Martinho Prado, em frente à Sinagoga, seu ponto de encontro de todas as noites para algumas cervejas, mas também para desenvolverem seu ativismo. Lá organizavam-se e vendiam seus boletins. Até que, em 23 de julho e após meses de ameaças, quase foram expulsas do bar, o que só não aconteceu pois os policiais chamados concluíram que “os direitos são para todos os brasileiros”.
Como resposta a esse episódio, as mulheres do GALF decidiram que “retomariam” seu lugar de convívio e organização fazendo um happening na noite de 19 de agosto.
Lembro que tive muito medo da polícia aparecer e nos levar presas. Tive medo da imprensa também. Não era muito confortável aparecer nas páginas dos jornais na época. Mas organizamos tudo de forma a minimizar os riscos: chamamos os grupos gays da época e algumas feministas para dar apoio. A vereadora Irede Cardoso foi uma das parlamentares pioneiras no apoio aos direitos homossexuais no Brasil, pedimos cobertura da OAB, chamamos a imprensa.
Chegamos no dia 19 de agosto e tentamos entrar no Ferro’s. O porteiro fechou a porta para que a gente não entrasse. Passamos a conversar com as mulheres que estavam do lado de fora do bar, juntamos gente, mais os grupos que estavam dando apoio, tentamos de novo. O porteiro enfiou a mão na cara de uma das integrantes do GALF, pela porta entreaberta. Um homem aproveitou e jogou fora o boné do porteiro, ele se distraiu e entramos todos.
Essa manifestação foi divulgada respeitosamente na grande imprensa de São Paulo e considerada como nosso “pequeno Stonewall”.
Como foi amplamente divulgado pelos jornais (Folha de São Paulo e Notícias Populares), nós, mulheres homossexuais, que sustentamos o Ferro’s Bar, tivemos que invadí-lo, já que estávamos proibidas de entrar só porque divulgamos o boletim ChanacomChana. Este boletim é feito por nós mesmas e fala, sem preconceitos, sobre a homossexualidade feminina. Na noite de sexta-feira, dia 19 de agosto, quando ocorreu a invasão, estiveram presentes, prestando sua solidariedade, entidades e pessoas feministas e homossexuais, representantes da Comissão dos Direitos Humanos, a imprensa, deputados e vereadores. Cabe aqui uma menção especial à vereadora Irede Cardoso que, mesmo doente, esteve presente na ocasião. Queremos agradecer a todas essas pessoas que, na noite de sexta-feira, estiveram ao nosso lado combatendo a falta de democracia de um lugar que depende de nós para sobreviver. Foi talvez a primeira vez que lésbicas são notícia em jornais e revistas (Visão) não por matarem outra, mas por reivindicarem um direito legítimo: o de divulgarem seu boletim para outras lésbicas. Aníbal, um dos donos do Ferro’s, se comprometeu, perante nós e a imprensa, a não nos impedir mais de entrar no local e de divulgar nosso boletim. Foi uma vitória nossa! Unidas e solidárias poderemos combater o preconceito e as discriminações que nós, mulheres homossexuais, sofremos. Ficou claro que a democracia depende de nós mesmas! Cada uma de nós pode tentar construir um mundo melhor. Juntas, então, a força será maior.
Comunicado do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF) posterior ao 19 de agosto de 1983, presente em “SEM ORGULHO NÃO HÁ VISIBILIDADE! 19 DE AGOSTO, DIA NACIONAL DO ORGULHO LÉSBICO. 1979–2009–30 ANOS DO MOVIMENTO LÉSBICO NO BRASIL” de Miriam Martinho

Em 2003, ano em que morreu Rosely Roth, uma das principais articuladoras desse evento, lançou-se o dia 19 de agosto como o Dia Nacional do Orgulho Lésbico.

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  • “Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e busca da verdade” Livro organizado por James N. Green e Renan Quinalha. (EdUFSCAR, 2014)


    • Um outro olhar, site sobre o universo LGBT, com destaque para a temática lésbica. Sua história remonta ao Gupo de Ação Lésbica-Feminista (GALF) e à Rede de Informação Um Outro Olhar. Foi publicação impressa de ambas — primeiro como boletim, depois como revista — entre 1989 e 2003. Desde 2004, passou a ser uma magazine virtual.
    MarcelaTosi-da revista Medium -Jornalista especialisada da Mídium-Comunicação






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