Artigo - O dia de Èrê - Manoel Messias Pereira



O dia de Èrê

Todo o dia 27 de setembro na minha casa era dia de Erê, as crianças preparava pois tinham balas, bolos, guaraná e alegria. Era assim lindo o meu terreiro. Fazia como sempre o rito baru, depois entoavas os cantos dos ibegês, ou dos ibejadas. E a festa era contagiante, espiritual e materialmente.
Havia um encanto nos toques de tambores, nas buscas da fé, na leitura da vida, e na esperança intelectual da existência. Antropologicamente há com certeza uma história complexa  e de difícil interpretação em relação ao espaço geográfico e aos múltiplos elementos culturais, de Europa a África.
Mas dia 27 de setembro é considerado na Igreja Católica como o dia de São Cosme e Damião, para muitos uma festa de criança. Festa dos santos gêmeos, como dizem na Umbanda o dia dos "dois dois", dos nabejadas, segundo alguns teóricos da umbanda uma das sete falanges na qual se divide a citada linha.
Cosme e Damião na sua história religiosa é descendentes de árabes e morreram no período do governador Lísias que mandou decapita-los, mortos no ano de 303. Eles quando morreram eram médicos filhos de Teodata, uma mulher que deu-os uma educação e uma instrução aprimorada sob a orientação de grandes mestres, tendo-os completados os seus estudos na Síria.
Aproveitando do exercício de sua profissão de médicos, foram considerados curandeiros, com seus nomes difundidos entre os povos pagãos e os cristãos, para quais muitos se converteram. Pelo visto de muitos que nada tinham não aceitavam quaisquer benefícios e em pouco tempo os médicos foram alvos de grande popularidade o que incomodou e muito o imperador de Roma, o sr. Diocleciano que perseguia acerbamente os cristãos por sua religião. Uma vez que para o imperador Deus eram eles e de forma viva. Quando surge a ideia que Deus é espírito e que ninguém vê, ou seja é uma abstração e não há como lutar fisicamente com isto. E desta forma Cosme e Damião quando exerciam suas atividades no povoado de Agra, na Cilicia, foram por ordem do governo imperial citados perante o tribunal de Lísias. Foram assim condenados como praticantes de curandeirismo, dados a feitiçarias e receberam como pena a decapitação e assim ambos foram mortos e assim passaram como mártir cristão serem reconhecidos e venerados. Na Igreja católica são os santos dos farmacêuticos e das faculdades de medicina.

Já na formulação étnica/religiosa dos africanos quando falam de Erê, falam da qualidade de de Doú, Abankin, Alabá e Aboku. A expressão Èrê é a vibração infantil pertencente à corrente vibratória do Òrisà. Cabe a outro iniciando o seu Èrê correspondente ao òrisà dono da cabeça que acompanha na inicicação , auxiliando no aprendizado que deve fazer na camarinha, que transmitem exatamente as ordens do Òrisà que não falam. É confundido às vezes com um Òrisà, que seria filho de Sàngó talvez por incompreensão dos donos de terreiros e aos vezes também ligados ao gêmeos Béji. Éré siginifica também Jogo, brincadeira.
Quando falamos em Doú quem tem o nome de Doun no Brasil, seria Idoú, e Alabá o filho nascido após idoú. Já Alabá é o nome de uma criança espírito, considerada amiga de Béji. Alabá, após o nascimento de gêmeo (o próximo nascimento).
A palavra Èré, não pode ser confundida nos culto com "Were", que significa pessoa maluca ou perturbada.
O Ìbéjì siginifica o princípio da dualidade representado pelo gêmeos na África, sendo este sagrado no Brasil, são considerados òrisà em alguns terreiros, protetores dos gêmeos, parte múltiplos, são sincretizados com São Cosme e Damião, santos gêmeos católicos.
Muitas vezes como Èré, símbolos duplos com duas cabacinhas e palma com uma pena de metal prateada e também qualquer brinquedo que não possua otá. O dia do culto geralmente é domingo. E a indumentária, vária entre verde, rosa e vermelho, e, capa bordada com linha dourada, um pequeno capacete de metal, talvez inspirada nas vestes de Cosme e Damião. Existe ainda o Bámbám que é leque de Ibeji, encontrados em alguns terreiros no peji deste òrisà e pode ser de metal ou de madeira. a peça de madeira é achatada de um lado e usada para varrer o cha de barro.
Não se raspa Ere na cabeça de ninguém e, nem se pinta os Beji. São apenas assentados e batizados com água de Òrisà que se esta fazendo. Feito com os dois bonecos de cedro, com olhos e boca, e depois lava-se os mesmos no amaci em que lavou o Òrisà, que estava ali. E os bonecos levam contas  de ÒsalÁ. Um alguidar grande com áreia de prais apanhada em noite de lua cheia, uma moringa no centro, em volta quarenta e um búzios com nove quartinhas pequenas em volta da moringa enove pratinhos de barro. E a comida do Òrisà, é sete franguinho, caruru, quiabo, camarão, arroz, epo-pupá, epo, akàsà, abará, aberen, àkaràje, inhame, mel, milho branco, feijão fradinho, amendoim, castanhas, pipocas, ovos, batata doce, água com mel, balas e frutas. Menos as frutas cítricas conservar a quartinha sempre cheia d'água.
Seguido a linha de minha Mãe Minadã, mãe de sangue e de santo ela usava na Umbanda a presença do preto velho, como auxiliar das crianças. E entoava os pontos pra Osun, Yemanjá, Iãnsã, como mães, próximas das crianças da maternidade. Mostrava em textos que ela escreveu que, a criança é o ser mais puro entre todos os seres humanos. E que no dia de São Cosme Damião é um dia de lembrar os médicos os farmacêuticos, mas também os escritores, os intelectuais.
Outra coisa é que quando visitei pela segunda vez o Museu Afro-Brasil, a pessoa que fazia o guia disse -me a duas visões sobre os gêmeos, uma de que o nascimento deles  era de muita  prosperidade, outros diziam ser de tristezas, pois essa visão vem de algumas culturas africanas. Mas no Brasil com o sincretismos isto ganha outra conotação, e até extrapola a religião, entre na questão dos gêmeos dos signos. E há muita coisa escrita sobre isto é a muito terreiro de umbanda tratando de muitas outras informações até porque há uma liberdade de cultos e quem determina o caminho é o grupo reunido e não a interferência ou um modelo pré estabelecido de culto. E vale sempre lembrar que cada ser humano nasce e vive com um fundo de experiência e todas as ações da mente são resultados da experiência. E deve haver um princípio que serve de base as todas as diferentes manifestações das religiões, ou cultos religiosos que é melhor compreendidos hoje.
E a uma lógica quando fala-se em religião é que há um negócio no seio do cristianismo, e o importante é a arrecadação de dinheiro por parte dos pastores e não há o hábito da prece de que é mais fácil passar um camelo no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino do Céu. E o cultivo da prece para os textos  humanos e voltados para a paz, na santa humildade, sem falar em dinheiro. Faz com que reafirmamos hoje que a religião fique como o ópio do povo. E há um traficante vendendo a fantasia e quem adquire permanece numa plena desilusão. E com isto muita gente entende que as vezes é preciso fazer essas melancólicas reflexões em torno destas buscas espirituais, que para uma serie de espertalhões é tempo de ganhar dinheiro, de surrupiar, de roubar de maneira descarada o seu próximo.
Mas em todo o incêndio há sempre alguém pra ser salvo, mas a vida pede que não devemos entregar-nos de uma forma desamparada  nas chamas. E sim é preciso prudência. E dia 27 comemore, respeite o seu próximo, e antes de refletir sobre a religião compreenda mas com todos os elementos antropológicos da existência humana, pois sempre haverá uma história complexa e difícil de entender que vai da Europa a África. Respeitem sempre pois aqui é ponto firmado da diversidade. E estamos conversado.



Manoel Messias Pereira

professor de história
cronista, poeta
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto-SP. Brasil



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