Crônica - No meu caderno nunca teve Cassiano Ricardo - Manoel Messias Pereira

No meu caderno nunca teve Cassiano Ricardo


Na minha infância comecei a gostar da obra de Vinícius de Moraes, e desejava começar a escrever por causa da obra dele. Porém desde que comecei a aprender a ler e a escrever com as minhas deficiências literárias  que eram muitas escrevia até para ver alguém rir de mim. Na minha lembrança tenho o terceiro ano escolar, quando a professora trouxe um texto de Cassiano Ricardo para todos escrever na página do caderno, e que ela ia vistar. Achei aquilo uma afronta, uma besteira  e detestei Cassiano Ricardo.

A professora dona Marcia Mendonça, com aquele penteado de Panetone, ficou uma onça de brava. E disse até que eu era um malandro. Fiquei quieto e pensei escrevo melhor do que Cassiano Ricardo e nesta classe sou o melhor aluno. Mas mantive no meu silêncio de garoto negro portador de minha santa sabedoria.

No primeiro mês ela viu que as minhas notas eram as melhores. resolveu fazer chamada oral, me sai bem.Ela parece que ficou intrigada. Mas deixei ela na dela e eu na minha. Teve um redação na classe e o tema era "o que vou ser quando crescer?". Escrevi a redação entreguei e tudo bem.

No outro dia ela destaca a minha redação. E dizendo que eu escrevi que desejava ser professor e escritor. É  fui isto que escrevi, e disse ainda pois preciso ser melhor do que os professores que encontrei até aqui. E ela indagou e escritor? Eu disse que sim mas não como Cassiano Ricardo, mas como um Vinícius de Moraes. E expliquei que o rio que Cassiano Ricardo fala no poema dele era muito diferente do que conheci em São José do Rio Preto-SP. E que não troco o da minha cidade por outro de forma nenhuma.

Próximo de minha casa havia o Córrego Aterradinho, que era na verdade o Corrego do Nicolau.Essa informação hoje ninguém conhece na ciade a não ser a dona Nilce Loddi, que escrevia no jornal. É que o povo esqueceu de chamar esse córrego de Nicolau e começou a usar o nome da rua que acompanhava o seu curso embora essa rua também ficou prejudicada e existe apenas num quarteirão.  Esse riozinho  tinha uma pinguela. Num local difícil para passar mas que todos os dia tinha que ir por ali pra chegar até a escola. Ah não disse ainda mas os poemas de Vinícius tinha uma magia que me encantava. Geralmente ficava emocionado e não conseguia gravar todas as suas palavras, e isto e que fascinava-me. Além do mais vários poemas foram transformados em músicas. E o que tinha acesso mesmo era no rádio, que tinha uma proposta muito diferente do que é hoje. Hoje o rádio é tocar uma música que ninguém entende o que se fala e ter um locutor que fala gritado, como se estivesse alucinado é horrível, uma porcaria, estraga o ouvido da gente.


Na minha adolescência enviei uma carta para o jornal "A folha de Rio Preto-SP, denunciando que a tubulação de esgoto vazava no Côrrego e que isto ia para a represa municipal e que um dia ainda poderíamos sofrer consequência disto. É desde jovem sempre estive muito atento a essas coisas. Para o jornal diario da região enviei um texto falando da necessidade de colocar cestos de lixos nas esquinas e implementar uma educação ambiental, é eu tinha só quinze anos, hoje já passo dos sessenta e nunca vi essa coisa que eu sonhava para a minha geração. 

Um dia Carlos Drummond disse que o autor deve ser estudado na sua obra e não fora dela. O que ele faz ou escreve está na sua obra, e que o poeta geralmente precisa entender que ele não é um especialista em tudo mas na sua razão e emoção as vezes fica a frente de seu tempo. Isto  remete-me à um livro que é o de Pierre Macherrey "Para uma teoria da produção literária", quando ele escreve sobre Leon Tolstoi,e disse "estudando a obra de Tolstoi,a classe operária aprende a conhecer melhor os seus inimigos, enquanto que compreendendo claramente a doutrina de Tolstoi, todo o povo russo deve compreender em que constitui a sua própria fraqueza que o impediu de levar até o fim a obra da sua libertação".

Sabemos que o grande Lênin era um especialista em Tolstoi e fazia duas apreciações sobre a sua obra, uma que se apoia no próprio ponto de vista pelo qual se define a observação de Tolstoi, e outra negando à obra a sua falsa interioridade, a exibe pelo desvio duma  confrontação decisiva. É ai está a contradição.

É não sei porque eu teria como criança que ter os verso de Cassiano Ricardo no caderno. São essas besteiras que os pedagogos fazem que nem eles mesmo entendem. Já cresci estudei, virei professor, conheci as obras de Vinícius de Moraes, e de outros tantos autores escrevi,sobre história, sociologia, politica,  fiz cursos de literatura e nunca coloquei um versinho de Cassiano Ricardo no meu caderno. E nada de grave ocorreu na minha vida. É eu nunca fui fã deste de Cassiano Ricardo. Deixe ele pra lá.



Manoel Messias Pereira

cronista,poeta
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto-SP.
Correspondente de Uberaba-MG.

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