A Anemia Falciforme é uma doença genética causada por uma mutação no gene beta da globina (HBB, Glu6Val), que origina a HbS (Hemoglobina S), ocasionando a deformação dos glóbulos vermelhos, produzindo células em forma de foice1,2. Essa doença está entre as doenças hereditárias monogênicas de maior incidência epidemiológica no Brasil e no Mundo, tendo maior prevalência entre negros e pardos3,4,5.
Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, o gene pode ser encontrado em frequências de 2% a 6% nas regiões do país, aumentando para 6% a 10% na população afrodescendente brasileira, e de acordo com a Organização Mundial da Saúde estima-se que, anualmente, nasçam no Brasil cerca de 1.900 crianças com Anemia Falciforme2,6,7. Segundo o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), no período de 2001 a 2005, foram identificados 2.554 portadores de hemoglobinopatias. No entanto, os dados epidemiológicos disponíveis sobre a Anemia Falciforme não indicam a prevalência real da doença no país, pois, o PNTN tem sido implantado gradativamente no Brasil8,9,10.
A Anemia Falciforme pode ser diagnosticada no nascimento ou na infância. Os sintomas são geralmente, observados após o sexto mês de vida. Normalmente, o paciente com Anemia Falciforme não apresenta sintomas no período neonatal, sendo geralmente assintomáticos devido aos altos níveis de hemoglobina F9,11,12. A inclusão obrigatória das hemoglobinopatias no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), pela portaria nº 822/01 do Ministério da Saúde (MS) no exame de triagem neonatal, conhecido como “teste do pezinho”, diminuiu a porcentagem de mortalidade entre crianças devido à identificação precoce da doença pela introdução imediata da profilaxia adequada9,11,13,14.
A principal causa da anemia nesses pacientes é a menor sobrevida das hemácias; tratando-se de anemia hemolítica, com aumento da bilirrubina indireta, hiperplasia eritróide da medula óssea e elevação dos reticulócitos. No entanto, além da hemólise, outros fatores podem contribuir para a gênese da anemia ou agravá-la: carência de folato, insuficiência renal, crises aplásticas e esplenomegalia15,16,17.
A Anemia Falciforme ainda é uma doença incurável, embora tratável. No Brasil, um estudo observou que 83,3% dos óbitos devidos à Doença Falciforme ocorreram até os 29 anos de idade, e 33,3% concentraram-se nos menores de dezenove anos18,19,20. A elevada letalidade, que abrange especialmente indivíduos jovens, reflete a gravidade da doença18,21,22. O tratamento precoce aumenta a sobrevivência dos afetados, melhorando a qualidade de vida, sem possibilitar, contudo, a cura clínica23,24,25. Dessa maneira, a profilaxia de complicações da doença é indispensável para uma evolução clínica o menos desfavorável possível11,26,27,28.
Considerando o exposto, o presente estudo realizou uma revisão sistemática da literatura científica brasileira sobre a Anemia Falciforme objetivando descrever as principais temáticas abordadas em estudos sobre essa doença, uma vez que foi identificada a real importância da mesma para saúde pública brasileira.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo descritivo realizado através de uma revisão sistemática da literatura, sem metanálise, sobre Anemia Falciforme, em duas bases de dados eletrônicas nacionais: (i) BVS (Biblioteca Virtual em Saúde); e (ii) SciELO (Scientific Eletronic Library on-line), através da consulta pelo seguinte descritor “Anemia Falciforme”, durante os meses de janeiro a março de 2011. Na base de dados BVS somente foram considerados para pesquisa, artigos publicados em fontes das “Ciências da Saúde em Geral”, que abrangem os seguintes bancos de dados: LILACS, IBECS, MEDLINE.
Os artigos foram identificados pela estratégia de busca baseada no método integrado. Somente foram incluídos para análise neste estudo artigos: (i) cujo descritor esteve presente no título; (ii) publicados em língua portuguesa; (iii) cujo ano de publicação esteve compreendido entre 2007 e 2011.
Os dados foram analisados através da observação da frequência de artigos publicados entre os anos de 2007 a 2011; da frequência de artigos publicados em relação à base de dados consultada; da frequência de artigos publicados em relação à base de dados consultada entre os anos de 2007 a 2011. Finalmente, os artigos foram agrupados por área de conhecimento, sendo observada a frequência de ocorrência de cada uma das áreas identificadas.
RESULTADOS
Foram encontrados 105 artigos, com base na utilização do descritor “Anemia Falciforme”, sendo que desses, 45 artigos publicados no SciELO (43%) e 60 artigos publicados na BVS (57%). Com base no ano de publicação, independentemente do banco de dados utilizado para pesquisa, foi observada uma maior frequência de artigos publicados nos anos de 2007 (31%) e uma menor frequência no ano de 2008 (10%) (Gráfico 1). O gráfico 2 exibe o percentual de publicações, com base no ano de publicação e na base de dados consultada durante a pesquisa.
Gráfico 1 – Percentual de publicações com base no ano de publicação.
Gráfico 2 – Percentual de publicações com base no de publicação e base de dados.
Dos 105 artigos encontrados nas duas bases de dados observou-se que diversas publicações presentes na BVS encontravam-se disponíveis, também, no SciELO. Das 45 publicações encontradas no SciELO, somente 3 artigos (7%) eram publicações exclusivas desse banco de dados; enquanto que, dos 60 artigos encontrados na BVS, somente 18 artigos (30%) eram publicações exclusivas desse banco de dados. Dessa forma, foram identificados 21 artigos exclusivos e 42 artigos de publicação em duplicidade, ou seja, disponibilizados em ambos os bancos de dados, totalizando assim, 63 artigos originais disponíveis em ambas as bases de dados (SciELO e BVS). O agrupamento dos artigos por área temática revelou que 19% dos artigos publicados concentram-se na temática “Diagnóstico”, e somente, 3% em “Traço Falciforme” (Quadro 1).
Quadro 1 – Temáticas dos artigos originais publicados nas bases de dados BVS e SciELO.
* – Artigos que não puderam ser agrupados nas temáticas anteriores.
A temática “Diagnóstico” foi a mais observada entre os artigos avaliados, demonstrando a importância da mesma para estudos que envolvem portadores da Anemia Falciforme. Por se tratar de uma doença genética, hereditária e incurável, o diagnóstico torna-se de grande relevância para a saúde do portador, pois, possibilita a assistência eficaz e segura, bem como, acesso ao tratamento convencional, o que pode amenizar inúmeras complicações.
Contudo, a temática “Traço Falciforme” foi pouco observada, o que nos permite afirmar que a abordagem desse tema entre as publicações brasileiras é escassa. No Brasil, existem milhões de heterozigotos portadores do gene da hemoglobina S (traço falciforme), e praticamente, todos esses indivíduos desconhecem o fato de serem portadores desse gene anômalo. Dessa forma, estudos que identifiquem esses indivíduos são de grande importância para a saúde pública no Brasil.
Após a análise dos dados encontrados, identificou-se que somente três artigos (dois na BVS e um no SciELO) abordavam a “Assistência de Enfermagem” na Anemia Falciforme, o que permite afirmar que a representatividade desse tema na Enfermagem ainda apresenta pouca expressão, demonstrada pela escassez de artigos publicados sobre o mesmo. O diagnóstico de enfermagem é importante para se realizar um plano de cuidados ao paciente falcêmico e à sua família, para preservar e promover a saúde, identificando sinais/sintomas, garantindo assim a sobrevivência do paciente. Além disso, em relação aos dados relatados na literatura dos artigos, verificou-se que não há estudos que evidenciem a frequência esperada de complicações que demandam internações nesses pacientes.
A Anemia Falciforme é frequentemente observada em afrodescendentes, sendo um importante problema de saúde pública no Brasil, apesar disso, nos últimos cinco anos foram poucas as publicações referentes a essa doença, ainda mais quando levado em consideração sobre a população do Estado do Pará. Espera-se que em função do reconhecimento da relevância das hemoglobinopatias pelo Ministério da Saúde, mais estudo possam ser gerados. Conhecer a Anemia Falciforme poderá favorecer o planejamento de Políticas Públicas e, outras ações, que possam contribuir para diagnosticar pacientes falcêmicos precocemente, para reduzir o número de hospitalizações e o tempo de internações, bem como, melhorar a qualidade de vida do portador de Anemia Falciforme.
CONCLUSÃO
A Anemia Falciforme é uma doença incurável, embora tratável, considerada como problema de saúde pública no nosso país, tendo maior prevalência entre afrodescendentes. Hoje, existe um tratamento promissor, baseado em transplante de medula, no qual as células doentes são substituídas, e o paciente não precisa ser submetido a transfusões crônicas e não recebe sobrecarga de ferro no sangue. Apesar de ser uma alternativa promissora, o transplante tem algumas limitações, pois, possui uma fase crítica, com risco de morte por causa da baixa imunidade do paciente, além de não ser realizado em todos os portadores. Cerca de dez transplantes foram realizados no Brasil, em caráter experimental, e por ser um tratamento de alto custo ainda não está disponível no SUS.
É responsabilidade dos profissionais da área da saúde, inclusive do profissional de enfermagem, promover o processo de educação em saúde, colaborando para evitar a alta morbi-mortalidade em portadores de Anemia Falciforme, compete a cada um dos atores desse processo definir o que se quer e o que se pode fazer quanto instrumentos do processo de enfermagem, pois, quanto mais for proposta a realização do “teste do pezinho”, mais precocemente pode-se intervir no processo de saúde-doença entre os portadores de Anemia Falciforme.
Torna-se necessário, então, formar profissionais com competência e habilidades compatíveis, priorizando o melhor atendimento, para melhor intervir nos cuidados de Enfermagem. Como afirmado por Soria e colaboradores (2006):
Em tempos de mudanças amplas, profundas e aceleradas, como os que estamos vivendo nos dias de hoje, o conhecimento sistemático e holístico da Enfermagem é um instrumento válido e eficaz para todos os que se propõem a aperfeiçoar seu campo profissional.
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