Cronica -O lar nossa primeira escola - Manoel Messias Pereira



O lar nossa primeira escola

A nossa primeira escola é o nosso lar. É o ambiente onde cultuámos o nossos olhares entre mãe, pai, filhos, irmãos, avós, é a ternura antropológica da residência. É onde aprendemos o ritual do almoço, do jantar, do café da manhã, da oração no fim de tarde, e na hora de dormir. Onde ouvimos as confissões intimas da família, é o local onde aprendemos a ler os destinos estabelecidos pela paz ao entender como é belo o céu azul. E resolvemos fazer hortas e jardins nos quintais, fornos para assar pão e bolos.  E aprendemos a magia das palavras e acreditamos nas fantasias das pessoas. E assim como a respeitar os mais velhos, e tirar das lições de casa, as lições para fora dela.

É em casa que ensinaram e aprendi  a dizer bom dia, boa tarde,boa noite, com licença, por obséquio, como está, e isto dizemos  para o nosso próximo, seja ele vizinho, ou colega de escola.  Em casa, que sinto como se fosse o lugar mais aprazível da existência, não importando como é a casa, como se faz pra viver ou para sonhar, basta observar que podemos ter apenas  um barraco de madeira de apenas um quarto só se tiver o amor dos entes queridos das pessoas que compartilham o mesmo espaço o que temos  é o céu, é o castelo, dos reis e palácio, que  foi dado como graças.

É desta forma que também aprendi a respeitar os meus pais, não pela sua condição financeira, mas pela ternura, pelo o carinho como fui tratado como um filho. Nós filhos, são para os pais como as flores de um jardim que eles aguaram com a leitura e a beleza da primavera.

Já na   na escola  aprendi, a socialização com crianças da mesma idade,  a entender a diversidade, e conviver com isto sem culpa nenhuma, mas com o pleno respeito. E também discordar dos colegas ou a concordar. E isto é interessante porque assim nasce a convergência e a divergências de opinião.

Lá na  escola ainda no primeiro ano, vi uma senhora vir a conversar comigo, e perguntou-me qual era a minha religião, qual era a renda da minha família, como era a minha mãe o meu pai, e essas coisas todas de inquisição. Lembro que era uma mulher loira de pernas grossas, de vestido preto, hoje eu diria um show vivo de formosura. Mas eu garotinho da raça negra, acuado diante daquele olhos de pessoas brancas, pensava que seria fuzilado. Pois o que foi dito antes de chegar a escola que era um local de repressão, de ter que ajoelhar no milho, a ficar atrás da porta num porão escuro. Enfim era o inferno que iria enfrentar.

 Fiquei observando aquele simples e doce inquérito e respondi, de que morava com apenas a minha mãe que o pai aventurou-se por aí, tinha outras famílias, outros filhos e que vivia apenas eu e duas irmãs. E que minha mãe lavava roupa, que trabalhava catando café nos armazéns, e percebi que aquela moça, que até hoje não sei se era estagiária ou assistente social, não sabia que o café produzido no Brasil, os inteiros iam para o exterior e que por aqui, ficavam os quebrados, e que haviam armazéns que contratavam senhoras como a minha mãe para limpar aquele café, com pedra, pau, com a semente preta. O que minha mãe dizia, nós por aqui tomamos palha. E também acrescentei que não sabia o quanto a minha mãe ganhava, que minha casa era de madeira apenas de um quarto. Mas que durante a semana a minha casa era um terreiro, onde minha mãe fazia benzimento de crianças, fazia ritual de Umbanda.  Embora isto pra mim era algo perfeitamente normal, vi mais uma vez que havia ignorância, por trás de quem diz ter estudado. E cheguei a uma conclusão infantil, mas minha. O que eles estudam veio da terra dos brancos, eles não sabem nada de mim.

Um dia vieram falar de religião e eu falei que não ia na igreja. Fui batizado na igreja católica, fui crismado mas não seguia. Parece que olharam para mim tentando recriminar a minha vida. Disseram que eu não tinha religião. Tive dó da professora. Coitada. E ela falou-me que eu seguia feitiçaria , superstições, cultos, vodu. Dei foi gostosa gargalhada. Coitada da professora ungida na ignorância.

Achei foi bom, não tinha que ter a responsabilidade, de rezar, de orar, igual ao meu vizinho, que era filho, neto de dono de escravo. Que era tão bom mas ganhava 20% nas vendas de escravo, na qual o dinheiro ia para a Santa Sé, Eu achava tudo um esculacho, mas a escola não sabia o que eu realmente pensava. E a Igreja que eles propagavam não falavam de crendice, mas pareciam um espetáculo de magia, de misticismo, de virgens aparecendo em todos os lugares, uma religião de almas benditas, de milagres de crenças. E ao vir pra cá com aquela cruz, a presença portuguesa representou uma guerra para os indígenas, que vivia por aqui numa plena paz, e de princípio passou a ser escravizado, a ter que trabalhar forçadamente. E depois vieram os negros, que sofreram como um condenado.

Com o tempo descobri que a Igreja Reformada Holandesa que sempre defenderam o Apartheid, baseando-se na escritura Sagrada, e entre as citações os trechos mais invocados são o da Torre de Babel (Gènesis, 11-8):" Desde aí, o Senhor os dispersou por toda a face da terra, " e a passagem  do Cântico de Moisés: "quando o altíssimo deu às nações a sua herança, fixou seus limites segundo o numero dos filhos de Deus" (Deuterónomo, 32-8). E no livro do Génesis, cap.9, 20-24, conta-nos como Noé, pai de todas as nações que povoaram a terra após o diluvio, se embebedou e foi visto pelo seu filho Ham, que foi dizer aos seus irmãos Shem e Japhet. "E Noé acordou de sua bebedeira e soube o que fizera seu filho mais novo. e disse - Maldito seja Canaan que seja para seus irmãos, o último dos escravos (Genesis9, 24-25). E em Genesis 10, 6-20, enumera os descendentes do Ham e indica as regiões em que se fixaram. De nenhum deles se diz que tenha fixado no continente africano. mas os teólogos faz de Ham pai de Canaan o maldito o progenitor  da raça negra, os exegetas que incorrem numa falsificação devido ao eurocentrismo, e isto que transcrevi, pode ser encontrado no livro "Apartheid poder e falsificação histórica de Marianne Cornevin. E essa mesma informação é vista no livro "Israel Africa do Sul -a Marcha de um Relacionamento dos professores Richard P Stevens e Abdelwahab M Elmessiri. Já na obra brasileira escrita por Alfredo Bosi intitulada "Dialética da Colonização, encontramos na pagina 256 o "Tempo da origem A danação de Cam, o que observamos que Buosi escreve Cam, Stevens e Elmessiri escreve Can e que Cornevim escreve Ham, ou seja é a mesma coisa. Mas Buosi disse "O poema incorpora a versão mítica de origem do cativeiro que é relatada no Livro de Génesis "Os filhos de Noé, que saíram da arca, foram em, Cam e Jafé, Cam é o pai de Canaã, e a partir deste três filhos se fez o povoamento  de toda a terra," E repete-se a história só que não por meio da da igreja Reformada, mas com o olhar Católico.

Quando Castro Alves gritava "Deus onde estás que não responde/ Em que mundo, em qu' estrela  tu t'esconde/Embuçado nos céus? um desespero que se fecha diante de Tu que se fecha surdo, porem Buosi nos mostra que ao longo do poema a invocação do Deus clemente, não descobre as lágrimas da África que a areia ardente bebeu para sempre, Ou seja soa um sarcasmo.

É assim que aos poucos vamos convivendo com muitas visões e olhares, numa grande diversidade  no mesmo espaço e no mesmo objeto que é a fé, e cada qual com seu jeito de de olhar a estrada, de remontar seus destinos e de entender os desatinos da vida. 

Aprendi em casa que a Umbanda era a Missão do Bem, embora, na escola dizia que nós eramos pessoas que faziam mal. E eu dizia será que sou mal porque sou negro? Pois tudo que eles dizem ser bom é branco, os anjos são loiros, e não pensem os religiosos, que eu nunca pensei nisto quando criança. Pensei muito. Aprendi que Jesus era o Oxalá, mas que havia Oxala - Lufan que era velho com um cajado. Ai entendia que não era Jesus. Pois havia também Oxalá - Lufan que era jovem, entendia que também não era Jesus. Mas minha mãe dizia é o Talabi  ou Elefin, na gira de Omolocô, Olorum recebe o nome de Zambi Na gira de Nagô Odudua o Orixá da terra.

Entender isto do tal sincretismo é muito mais difícil do que se imagina. Mas o importante é que todos possam entender-se na sua ternura antropológica residencial. Ou seja é preciso fortalecer a educação e a cultura para que a escola seja de fato e de direito não confessional, mas científica, pedagógica, filosófica, sociológica, capaz de dinamizar o ensino e preparar os seres humanos jovens para o processo natural de contestação, da realidade.

Precisamos de um mundo de paz, não vamos nem para o norte nem para o sul, vamos continuar e salvar a própria liberdade da existência. E não sou a favor de guerra nenhuma sempre há quem ganha e quem perde numa guerra. Aqueles que ganham cantam a vitória. Aqueles que perdem choram seus mortos. Pra mim todos perderam, quando a construção da ternura necessita da invocação do respeito, da boa conduta, das saudações, dos drinques, dos abraços, do amor e da felicidade. E o que aprendemos é na plena meditação.


Por ora a nossa primeira escola é o nosso lar. É o ambiente onde cultuamos o nossos olhares entre mãe, pai, filhos, irmãos, avós, é a ternura antropológica da residência. É onde aprendemos o ritual do almoço, do jantar, do café da manhã, da oração no fim de tarde, e na hora de dormir. O que alimenta é paz  e a reflexão sobre a vida, Onde ouvimos as confissões intimas da família, e  onde aprendemos a ler os destinos estabelecidos pela paz ao entender como é belo o céu azul. E resolvemos fazer hortas e jardins nos quintais, fornos para assar o pão e  bolos.  E aprendemos a magia das palavras e acreditamos nas fantasias das pessoas. E assim como a respeitar os mais velhos, e tirar das lições de casa, as lições para fora dela. E assim construímos o nosso aprendizado de um olhar sobre o mundo.



Manoel Messias Pereira

cronista
Membro da Academia de Letras do Brasil - ALB
membro da Associação Rio - pretense de Escritores - ARPE
São José do Rio Preto -SP. Brasil



Comentários