A hora de almoçar
Na minha infância, aprendi a saber das horas, observando os horários do trem de ferro, a chamada Maria Fumaça. Como ficava em casa sozinho juntamente com minhas irmãs menores, eu com apenas cinco anos, outra crianças com três e um ano. Foi o tempo em que meu pai, precisou por motivos outros foi embora de casa a cuidar de suas outras famílias e nós ficamos com minha mãe que saía cedo para trabalhar.Eu marcava o primeiro horário era o das nove horas o segundo o das onze. Tempo de ir para o fogão e almoçar.
Minha casa ficava num bairro distante do centro um local que mais parecia rural do que urbano. As ruas não tinham asfaltos e não havia calçadas. A estrada que levava a cidade era a via que passava as boiadas. A minha cidade de São José do Rio Preto-SP, era uma cidade pequena. Nos finais de semana era que via a minha avó e a minha mãe, juntamente com meus tios que eram garotos maiores. Fora isto nos dias de semana cada um tinha um afazer. Um trabalhava entregando marmita, o outro ficava na cidade como servente de pedreiro, o outro no comércio engraxando sapato. Minha mãe e minha avó eram empregadas domésticas. E nós três que erámos criança ficávamos em casa. brincava no quintal, saíamos as vezes para recolher frutos silvestres, mas sempre estávamos por perto de casa. Era um local com uma fauna e uma flora interessante e muitos dos animais e plantas que tínhamos hoje não vemos mais na cidade que urbanizou-se e cresceu.
Mas quando ouvi de longe o apito da locomotiva dizia para minhas pequeninas irmãs:
-Olha o trem já vem vamos almoçar.
E assim crescemos, com sete anos completo, no ano que ia completar oito anos, fui pra escola e aprendi que a sociedade brasileira passaram na segunda metade do século XIX, por importante transformação. Foi o período em que acabou a escravidão. E vieram para cá os imigrantes. Assim pude entender porque em casa assim como a maioria dos trabalhadores eram de cor negra como eu e as patroas de minha mãe eram brancas.
Comecei a entender que foi um tempo em que acabou a saga dos donos de escravos com a abolição, e veio o trabalho assalariado. Que pois -se fim ao Império e estabeleceu-se a República. Mas que os donos dos meios de produção, ou seja os patrões brancos, que eram os senhores donos de escravos continuo como dono e muitos até tiveram que buscar indenizaçãos por perderam seus escravizados, e enquanto que pessoas negras que eram escravizadas, foram postas as ruas sem nenhuma indenização e com um conjunto de preconceitos, discriminações, e a atuação do chamado racismo estrutural, colocadas como seres inferiores numa sociedade hierarquizadas, em que se chamam brancos de doutores e na maioria sem serem. Apenas por um modísmo um costume trazido do desprezo e da submissão do negro, que apenas ficou com o trabalho braçal, vítima da exploração e do sub-emprego, numa sociedade que trouxe para "trabalhar" em termos mais aqui foi posto a toda a sorte de humilhação, e violência . E essa violência ainda não parou. Esse é o país que tem a maior contingência de pessoas encarceradas e na sua grande maioria são negros. Muitos presos por comer um pão e uma galinha que não era dele. Uma vez que o Estado o abandonou a própria sorte. Ou seja o Estado foi omisso e continua sendo, pois nas periferias das grandes cidades, o número de assassinatos desta juventude, é um escândalo e o mundo por meio das Nações Unidas cobra uma medida. Mas o governo continua na sua santa e sagrada omissão.
O progresso na sociedade brasileira, não inibiu e não permitiu o processo de intelectualidade de nossos senhores, que passou a pertencer a uma elite e manteve, o Estado com a tarefa de reprimir simplesmente. Vimos surgir hóteis, jardins públicos, vimos aparecer meios de transporte, e São José do Rio Preto a empresa de Joaquim Estrela Maia, chamada Companhia de ônibus Santa Luzia fazia o transporte. E recordo que era poucos bairros atendidos pois na maioria era estrada de terra e muitos lugares haviam festivais de buracos nas ruas.
Enquanto isto a estrada de ferro que todos os dias observava, o trem que passava e que marcava o hora do almoço descobri que no passado foi símbolo de modernidade, pois ela foi criada para poder fazer com que a produção do meio rural, como o café, pudesse chegar mais rápido ao porto de Santos, e assim aumentar as vendas ao exterior deste produto. E que foi esse produto que possibilitou a acumulação de capitais, e que disponível foi aplicado na sua própria expansão. Ao ponto de um dia o país que tinha um déficits passou a superar a sua economia. E o café nos meados do século XX, precisou ser queimado para garantir o preço pois do contrário o produto ficava muito barato no mercado. E quem comprou e queimou foi o governo que usou o recurso dos impostos de todos nós brasileiros, que beneficiou a elite, enquanto que ficamos apenas observando, com os olhos tristes como o tempo de criança que eu apenas ficava olhando a estrada vazia, e esperando passar o trem na esperança de almoçar.
A figura histórica que tentou por em pratica as transformações econômicas da segunda metade do Século XIX, foi Irineu Evangelista o barão de Mauá, ele que aos 27 aos de vida foi a Inglaterra encantou-se com a fundição de ferro com o maquinismo e resolveu investir por aqui no Brasil, em fundição de ferro e bronze, calderaria, serralheria, estaleiros, na companhia de navegação a vapor, em companhia de bonde, em estrada de ferro na Rio-Petrópolis. Acabou sendo engolido pela Inglaterra que tinha interesse no Brasil, e o Estado brasileiro juntamente com o Estado inglês fez o barão falir. E a Estrada Rio-Petrópolis mais tarde transformou na Central do Brasil e que estudávamos na Escola no terceiro ano do grupo. Tínhamos na época saber todas as linhas e saber quais as cidades que passava e onde localizava nos mapas e o que produzia cada região um aprendizado hoje que está desprezado. Não há essa necessidade mais. O mundo vai mudando e as necessidades passam a serem outras.
A educação é assim, antes tínhamos um educação clássica, emancipadora, que permitia o ser humano ser dono de seu destino, portador de seu conhecimento como importante riqueza. Era um tempo de visão humanística, de reflexão social, de discernimento político e humanitário. Em que as elites produziam uma sociedade hierarquizadas, preconceituosa, discriminatória ao mesmo tempo. Mas quem eram os excluídos produzidos por essa elite, não fazia parte dos lugares de pertencimentos desta elite. E era comum ver aqueles brancos dizer:
-Olha negro vê teu lugar. E sabe com quem está falando?
Outras vezes, diziam assim qual é tua família negro?
Todas essas forma de humilhar com as palavras. mas a humilhação faz parte do racismo estrutural e pouca gente gosta de ouvir isto. E o patrão que antes era dono de ser escravizado, não gosta por exemplo de pagar os seguros sociais dos empregados, pois é um costume que vem desde o império e assim é que as relações sociais quando pensamos no quesito cor vai desgastando e o Estado vai mais tarde fazer as usas intervenções desastrosas que levam aos quadros de desesperos para as famílias negras periféricas.Pois foi comum falar que os negros eram bandidos em potencial, foi comum começar assassinar jovens negros, foi naturalizado a ideia de atacar os terreiros e inclusive no passado usaram até mesmo as forças governamentais para reprimir. Foi um tempo de precarizar a vida de dizer que sambista, capoeirista eram todos marginais. E ainda hoje vemos pessoas como uma dupla sertaneja de dois gordinhos, no programa altas horas da rede Globo,dupla Cesar menotti e Fabiano, essa que explora festas de peão das cidades do interior e que vem falar do samba em rede nacional chamando essa cultura afro de coisa de bandido. E é evidente o sinal de cristalização do racismo naturalizado. E a ignorância destes cantores que somam-se as ignorância de seus seguidores. Pois preconceito racial faz parte de uma doença social, é o sintoma do racismo latente cultuado no Brasil.
Há no Brasil um poeta chamado Oswaldo de Camargo que conheci pessoalmente na cidade de Campinas e que escreveu um verso assim "Eu conheço um grito de angustia/ e eu posso escrever este grito de angustia/ eu posso berrar este grito de angustia, quer ouvir? Sou negro, Senhor, sou um . . .negro!"
É a nossa vida de negro tem marcas de um passado que o Brasil da contemporaneidade tem dificuldades de entender. mas não somos brancos pintados de preto, temos origem, temos culturas, que foi vilipendiada, mas resgatamos, temos religião que foi massacrada, mas nós resgatamos, temos a dignidade de ler estudar, frequentar estabelecimento de ensino, mesmo com a garantia das cotas graças a legislação atual que conquistamos. Hoje dizem que as modificações legislativas no processo educacional deixará de ser cumpridas as leis 10639/11645/ mas mesmo com todas as violências dos golpistas brasileiros que estão poder vamos resgatar tudo. Assim como resgatamos a nossa história de infância.
E na minha lembrança, no meu tempo de criança, ficava observando o trem passar, para entender que era hora. De ora almoçar. E vamos eu e minhas pequenas irmãs para a panela. E saciar a comidinha feita com carinho por nossa mãe, que hoje encontra-se no Orun. Boas lembranças.
Manoel Messias Pereira
professro, poeta, cronista
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto-SP. Brasil
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