UNIC Rio 70 anos: Primeira funcionária da ONU no Brasil relatou chegada ao país
Primeira funcionária da ONU no Brasil, a brasileira de origem alemã Ina de Mendonça começou a trabalhar no Centro de Informação das Nações Unidas (UNIC Rio) em 1948, três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial e da conferência que deu origem à Organização.
Em 2008, pouco antes de falecer, Ina entregou ao UNIC Rio um relato sobre a chegada das Nações Unidas à então capital federal. Formada em Jornalismo e Direito, Ina falava inglês, alemão e espanhol, e inicialmente atuou como secretária do primeiro funcionário da ONU no Brasil, Eduardo Bergallo, para posteriormente ser promovida a assistente de informações.
Primeira funcionária da ONU no Brasil, a brasileira de origem alemã Ingeborg de Mendonça, conhecida como Ina, começou a trabalhar no Centro de Informação das Nações Unidas (UNIC Rio) em 1948, três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial e da conferência que deu origem à Organização.
Em 2008, pouco antes de falecer, Ina entregou ao UNIC Rio um relato sobre a chegada das Nações Unidas à então capital federal. Formada em Jornalismo e Direito, Ina falava inglês, alemão e espanhol, e inicialmente atuou como secretária do primeiro funcionário da ONU no Brasil, Eduardo Bergallo, para posteriormente ser promovida a assistente de informações.
Inaugurado em 1º de janeiro de 1948, o UNIC Rio está prestes a completar 70 anos e foi o primeiro escritório da ONU em território brasileiro e latino-americano. Sua história começou em março de 1947, quando Bergallo, então funcionário da sede em Nova Iorque, foi transferido para o Rio com o objetivo de encontrar um escritório para a Organização no país.
“Bergallo foi transferido para o Rio de Janeiro a fim de encontrar um lugar para o Centro, conseguir telefones, na época coisa difícil, receber o mobiliário que veio da sede etc.”, contou Ina em seu relato. O escritório foi instalado, inicialmente, na rua México, centro do Rio, para posteriormente ser transferido ao bairro do Flamengo e finalmente ao Palácio do Itamaraty, onde está até hoje.
Estabelecidos pela Assembleia Geral da ONU em 1946, os Centros de Informação das Nações Unidas (UNICs, na sigla em inglês) têm como função divulgar o trabalho das Nações Unidas pelo mundo. Atualmente, existem UNICs em 63 países, nos cinco continentes.
O primeiro diretor do UNIC no Brasil foi o jornalista brasileiro-americano Paul Vanorden Shaw. Nascido em Americana (SP) em 1898, Shaw foi um dos primeiros professores da Universidade de São Paulo (USP), onde trabalhou de 1936 a 1940, ao lado de importantes docentes estrangeiros, como o antropólogo belga Claude Lévi-Strauss.
Doutor em filosofia pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Shaw ensinava história das Américas, filosofia e literatura na USP. Como jornalista, colaborou periodicamente com o jornal O Estado de São Paulo. Ina contou em seu depoimento que era movimentada a atividade do UNIC Rio nos anos 1950, uma época em que a ONU ainda era pouco conhecida.
“Era intensa a atividade pública do UNIC enquanto fui funcionária”, escreveu, destacando que entre suas principais atividades estava a elaboração de um clipping mensal, intitulado “Noticiário das Nações Unidas”, enviado a mais de 3 mil destinatários, entre eles pequenos jornais de todo o Brasil.
“Era uma edição barata, impressa, com notícias curtas e palatáveis para o público sobre a ONU e suas atividades, como, por exemplo, sempre uma nova ‘feature story’ (reportagem especial), em cuja série, quando da independência de tantos novos Estados no mundo, era dada a descrição da nova bandeira, sucinta descrição da história etc.”, lembrou Ina.
Era intensa a
atividade pública
do UNIC enquanto
fui funcionária.
Assim, a primeira equipe do UNIC Rio foi formada por Shaw (diretor), Bergallo (oficial de informações) e Ina de Mendonça (assistente-secretária). Bergallo deixou o cargo em 1949, enquanto Shaw permaneceu até se aposentar, em 1956. Já Ina atuou como secretária até 1962, quando foi promovida a assistente de informações após se graduar em Jornalismo.
Na época, o UNIC organizava eventos de grande repercussão na imprensa, como entrevistas, frequentemente realizadas na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de conferências especiais sobre datas importantes, como o aniversário das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O Centro tinha um projetor cinematográfico de 16 mm e uma série de filmes que chegavam da sede em Nova Iorque sobre os “momentosos assuntos da ONU de então”, escreveu Ina. Este e outros equipamentos estão atualmente expostos na sede da UNIC Rio no Palácio do Itamaraty.
Com os projetores, o UNIC Rio promovia exibições de filmes sobre as Nações Unidas pela cidade. Muitas vezes, as projeções ocorriam à noite, em escolas e praças públicas, tendo as paredes como tela e o público sentado no chão, contou Ina.
“Quando na segunda década de 1950, os comunistas começaram a insuflar animosidade contra os Estados Unidos, por duas vezes ocorreram episódios tragicômicos: a ONU era confundida com os EUA”, lembrou a então secretária.
“Houve dois episódios em especial desse tipo: um em Oswaldo Cruz, com alguns ameaçando quebrar os equipamentos; outro, mais violento, em Moça Bonita (Bangu), onde o jeito foi colocar depressa o equipamento no automóvel e sair quase que em disparada”, contou.
Segundo ela, após esses episódios, as projeções ao ar livre foram interrompidas, sendo realizadas apenas em recintos fechados. “Tudo mudou quando entrou a TV como meio de comunicação com as massas”, escreveu.
Ina trabalhou no UNIC Rio até 1967, quando se tornou assistente administrativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, período no qual cursou Direito. Permaneceu na agência até 1977, quando pediu demissão por motivos pessoais. Com 29 anos na ONU, ela foi uma das veteranas das Nações Unidas no país.
Uma vida dedicada às Nações Unidas
Filho de Ina, o atual diretor do Museu Histórico Nacional (MHN), Paulo Knauss de Mendonça, contou ao UNIC Rio que sua mãe era especialmente orgulhosa do trabalho que realizava nas Nações Unidas, e que foi isto que a motivou a cursar faculdade.
Nascida em 1925 no Rio de Janeiro, Ina era filha de alemães e passou parte de sua infância em Berlim, retornando ao Brasil nos anos 1930. Começou a trabalhar nos anos 1940 e, segundo seu filho, teve dificuldades para encontrar emprego em empresas brasileiras, diante do forte preconceito contra alemães no pós-guerra.
“Por ser filha de alemães, havia muita discriminação e ela só trabalhava com estrangeiros. Não a aceitavam como funcionária. Em mais de um lugar foi recusada”, contou Paulo. O preconceito ocorria apesar de Ina ter nacionalidade brasileira.
Ina conheceu seu marido, Hugolino de Mendonça, na faculdade de Jornalismo: os dois fizeram parte da primeira turma do curso na então Universidade do Brasil, antigo nome da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ela era muito
animada
com o que fazia.
“A primeira turma era formada por jornalistas de ofício que não tinham formação superior. (…) Meu pai era redator do jornal ‘A Noite’, e minha mãe já trabalhava no UNIC Rio”, lembrou Paulo Knauss.
“Ela era muito animada com o que fazia”, contou. As dificuldades que enfrentou ao divulgar o trabalho da ONU para a população brasileira, segundo ele, não arrefeciam sua empolgação. “Ela contava essas histórias com muita alegria.”
Segundo ele, a vivência da mãe influenciou sua carreira. Licenciado, mestre e doutor em História, Paulo possui ampla experiência acadêmica como professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo coordenado projetos de pesquisa no campo das relações entre história e memória, arte e cultura visual.
“Essa história familiar dela sempre me intrigou muito: a vinda dos alemães para o Rio, as lembranças da guerra. Isso talvez tenha me influenciado”, lembrou. “Eram pais mais velhos, tinham personalidade histórica, histórias de migração e sempre estiveram em situações historicamente significativas.”
O irmão de Paulo, Jorge Knauss de Mendonça, também considera que a formação dos pais teve forte influência sobre sua vida. Advogado, ele hoje trabalha como produtor de mel em Minas Gerais. “A ONU estava sempre na nossa mente. Naturalmente, isso se imprimiu na nossa formação”, declarou.
Jorge elogia a mãe pela beleza e elegância, mas também por ter sido bastante comunicativa e competente. “Ela sempre lia a revista ‘Time’, tinha assinatura. E sempre foi muito voltada para idiomas”, contou.
Depois de sair da ONU, Ina passou a trabalhar como tradutora e intérprete. Paulo lembrou que tinha orgulho do fato de sua mãe ter traduzido um dos livros que estudou na faculdade, “A história do movimento trabalhista europeu”, de Wolfgang Abenroth, publicado pela editora Paz e Terra nos anos 1970.
“Foi um livro sobre a história dos movimentos dos trabalhadores, uma referência que todo mundo tinha lido nos anos 1980”, disse.
Ina faleceu em 2011, aos 84 anos, muito tempo depois da morte de seu marido, em 1981. Até o fim de sua vida, de acordo com Paulo, ela participou das reuniões de ex-funcionários da ONU no Brasil. Segundo ele, tinha muitos amigos na Organização e lamentava profundamente quando não podia comparecer a um desses encontros.
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