Crônica - As minhas primeiras professoras - Manoel Messias Pereira


As minhas primeiras professoras

Todas as quartas feiras de cinzas o governo do Estado de São Paulo reúne os professores da rede e estabelece o replanejamento. A ideia é de que os professores já tiveram os primeiros contatos com os alunos e podem ter um inicio um replanejamento mais adequada a clientela recebida.

E essas quarta-feira eu recordo que na minha casa dava-se inicio aos 40 dias de meditações de silêncio, em que as qua
rtas e sextas feiras não se devia comer carne. Num respeito a Jesus Cristo, que deu a sua vida por nós. Era uma tortura o ofício divino. Mas seguiam-se isto na minha casa.

E toda vez que vou pra escola fazer o bendito e sagrado replanejamento do governo do Estado vem a minha mente a ideia de educação recebida em casa e vem a saudade da escola que tive. As minhas primeiras professoras. A dona Luizinha, uma senhora que falava meio fanhoso e diz que ela ganhou na loteria e só deu um bolo pras colegas. Ah ela devia ser pobre, muito pobre de espírito. Foi ela que ensinava com a cartilha Caminho Suave e de forma silábica. Já ouvi muitos marmanjos se dizendo pedagogo moderno. Mas que também estudou com a Caminho Suave.

O mesmo respeito que devia ter com os meus pais deveria ter com os professores. era assim que minha mãe dizia. E outra coisa que ela dizia. É sim quando mais perceber que sou um ser educado, vão dizer este deve ter um lar, e com certeza ela seria valorizada como mãe. E eu que sempre amava minha mãe, fazia das tripas ao coração um mundo para agradá-la.

A minha segunda professora foi em 1964, a dona Angélica Belo Scarpelli, era uma senhora de estatura baixa, que morava bem próximo da Escola, na sua casa haviam várias margaridas plantadas na frente. Era uma casa toda pintada de branco com certeza achava um sonho. Foi ela que ensinou a usar a caneta tinteiro. Na nossa mesa havia um buraco em que colocava-se o vidro de tintas Parker, e com uma canetinha que eu comprava numas barraquinhas próximo à parada de ônibus, local em que hoje está estabelecido a Estação rodoviária, nós os alunos tínhamos que aprender a encher de tinta a caneta e a escrever de forma leve e sem apertar a caneta na folha de papel apenas deslizando, a caneta seguindo a grafia. As provas vinham da secretaria, nós devíamos fazê-la à lápis e depois passar a tinta. Dona Angelica era uma pessoa simpática, extremamente educada e gostava de enviar recadinhos no caderno da gente aos pais. E no meu caso em particular a minha mãe, pois meu pais fora embora, era um aventureiro que tinha várias paixões e semeava filhos em outros lares. Dona Angélica faleceu de câncer.

Em 1965 veio ser a minha professora, uma mulher esguia, parecia uma miss, chamava-se dona Magali Correa, ouvi dizer que já morreu. E pela minha idade hoje provavelmente sim. Mas ela não sei porque cargas d'agua, deixou a classe e quem veio foi a dona Marilene. Uma moça que era um encantamento. Foi minha inspiração para a educação. Sempre encontro-a, trocamos um sorriso, um abraço. E recordo que após crescer estudar. Inscrever para ministrar aulas no Estado pela Lei 500, tive o prazer de encontrá-la na antiga Delegacia de Educação, ela me disse;
- Leio sempre os textos que você escreve nos jornais, e te acompanho com um olhar e tenho-o como o meu grande orgulho.
Agradeci-a mas ela não sabe, mas sempre amei essa mulher, foi como tê-la como um anjo que soube guiar -me e decidi em 1966 que deveria ser professor, exatamente porque não esqueci-a. Há alguns anos participei de um evento em meu sindicato em que defendi uma tese sindical sobre educação. E fui aplaudido por alguns poucos professores, quando vi-a saindo e de uma cadeira e deu-me um abraço e repetiu você foi sempre um grande orgulho pra mim como professora.

Em 1966 a minha professora foi dona Márcia Mendonça, pois retornei a mesma série pois no ano anterior acabei não fazendo as provas finais pois fiquei doente. Dona Márcia, era uma mulher que usava um cabelo que parecia panetone, era uma mulher fantástica, tinha um sorriso aberto que parecia uma avenida. Seu espirro era um show acordava até Jesus no Céu. Mas lembro que ela queria que ficasse fazendo uma cópia de um poema que achava extremamente chato. Era um poema que falava de um rio límpido, e que murmurava em cascatas. Eu pensava que besteira na minha vila tem um riozinho mais bonito e todo cheio de flores amarela e esse rio não consta no meu livro. Eu disse a ela de forma educada que não gostei do poema. E ela olhando pra mim disse:
-Você deve ser malandro, já veio da mesma série anterior.
Fiquei em silêncio mas por dentro eu dizia, boba, você vai engolir suas palavras, pois desta classe não há nenhum aluno melhor do que eu.
E assim passou-se o primeiro mês, o segundo, o terceiro e até o fim do ano fui o melhor aluno da classe. Minha nota final foi 9. E a maior da sala, lembro que ela veio e abraçou chorando e disse que gostaria que eu fosse morar na residência dela. Que ela ia me ajudar. Mas por dentro nem eu aceitaria e nem minha mãe. Lembro que nesta oportunidade tinha uma casa de madeira, um quintal de terra duas irmãs menores e uma mãe que lavava roupa pra fora, catava café nos finais de semana. Ou seja os sacos de café que tinham os grãos pretos que deveria ser retirados, o processo era feito manualmente e os caminhões passavam e deixavam para que as senhoras em suas residências pudessem fazer isto. E também minha mãe que havia despertado para o espiritualismo benzia, ministrava passes, palestras, recebiam pessoas lá em casa e acabou em 1970 sendo enquadrada pelo DOPS, sendo que tive a minha casa investigada e frequentada por agentes da repressão do governo militar. Mas no final de 1966 recordo a professora que chorou, que desejou que eu fosse morar com ela, pra que ela pudesse me ajudar. E após crescer trabalhando com officie-boy, reencontrei e ela chorou novamente e contou-me um drama da sua vida, que prefiro não relatar. E essa senhora disse que iria para Volta Redonda.

Em 1967, tive na sala da dona Maria do Rosário Albano de Almeida, uma professora muito focada no processo educacional. Ela tinha uma frase assim "O mundo tem com base a matemática todos precisam dominar a matemática", pois ela também era professora de matemática. Extremamente severa, e fazia com que fossem cada aluno um mini soldado. entravamos em forma na entrada, não podia haver brincadeiras fora da sala e nem na sala de aula. Dizia que o exército não entrava mulheres somente homens. e por isto é que ela teve o carinho de escolher somente alunos masculinos pra formar homens. No exército não entrava pessoas com deficiência física e ela também não aceitava. Ela tinha um esposo que era militar, e seus métodos tinham haver com o período pela qual passava o Brasil. Na minha consciência de menino. Comecei a entender um pouco do fascismo com suas aulas e posturas. Havia uma separação das fileiras em os melhores os mais ou menos e a esquerda onde ficavam os alunos de maiores dificuldades. Eu sempre estive entre os melhores e fiquei seis meses tirando nota máxima. E o interessante que era negro. E ela disse um dia. Pensei que os negros fossem inferiores aos brancos, mas você é um dos melhores. sorri por dentro quebrei a tese da superioridade racial dela. Pura bobagem continuei a visitando as vezes no portão de sua casa, mas no ano de 1968 ela teve uma intoxicação com remédios e acabou morrendo. Pensei que ela suicidara. O importante é respeitar as pessoas como elas são. Afinal estamos no Brasil a terra da diversidade e entendo todas as vertentes políticas do mundo que aqui se encontra assim como as pessoas se encontram.

No ano de 1968, fiz a admissão o curso preparatório pra disputar o vestibulinho e ir para o Ginasial. Nesta época tive dona Ordiley Martins lecionando matemática e Maria da Graças Pincelli lecionando português. E ambas revezavam pra recordar sobre a Geografia e História, que já chamava "Estudos sociais" a história em alguns lugares saiu do currículo. e a geografia como dizia Nelson Werneck Sodré, é uma disciplina pra aprender a fazer guerra.

E assim segui para o ano de 1969, fazendo o ginasial, mas o importante é lembrar desta base boa, que alicerçamos na estrada da boa instrução social, na leitura do aprender a ler, escrever, interpretar e a socializar-se sempre que possível na vida, nossos conhecimentos, as nossas frustrações. Os bons e maus momentos. lembrando que a educação é um direito de todos mas dever do Estado, das famílias promovidas com a sociedade, para qualificação social do indivíduos preparando para o trabalho. Ou seja deixando-o pra ser o rato que fica na roda, girando, girando pra receber a ração. eternamente.

Mas todas as quarta-feiras de cinzas tem planejamento. É o momento do Estado vir com a ideia da competitividade na educação. E dizendo que o aluno precisa dominar os códigos estabelecidos entendendo as competências e habilidades. E a escola não precisa receber a criança que venha para estudar, mas todos num verdadeiro entulho social, um crechão, num local, onde pode faltar tudo até papel higiênico, sabão, tintas pra impressoras, em alguns lugares faltam água, outros lugares manutenção nos prédios e falta um melhor salários a professores e funcionários é um canalhice o que se faz na Pasta da Educação.

Mas não deixe eu perder as lembranças do meus tempos de crianças, até porque com as primeiras professoras foi um jardim em flor. Confesso que nunca levei maçã na escola. Pensava que era a fruta do pecado. desculpe-me.

Manoel Messias Pereira

cronista
São José do Rio Preto - SP. Brasil.



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