Crônica - A Boneca branca - Manoel Messias Pereira




A Boneca branca

Lá em casa todos nós eramos da cor do café. E eu olhava minha mãe, meu pai, minha avó e achava todos nós tão lindos, que acreditava que fossemos feitos de bronze.

Em 1957 minha mãe ficou grávida foi pro hospital e veio com uma irmãzinha que chamava Aparecida, mas demos o apelido pra ela de Dinha.

Dinha coitada, era magrinha, chorona, colocava ela num carrinho de mão e tentava puxa-la de um lado para o outro, naquele terreiro tijolado, mas as vezes ficava difícil, o carrinho tinham as rodas de ferro com uma borracha cujo eixo era maior e eu não conseguia dominar o andar fazia forças até, pra ela poder parar de chorar, enquanto que minha mãe lavava roupas ou ia ajudar a arrumar a casa de uns e de outro. Pessoas da elite de São José do Rio Preto.

E um dia tive uma dor e não conseguia nem andar, nem chorar, nem sorrir, tudo era dor e do lado da virilha apareceu uma hernia. e daí Dinha chorou até. E eu também.

A tarde minha mãe chegou eu fui falar com ela. Ela tinha trazida uma boneca branca pra minha irmã. E não me deu muita atenção. Falei que doía, e tentei mostrar a virilha, mas ela empurrou, e meu deu um tapa,  mas doe muito mais, fui quase arrastando, pois andar também era difícil e caminhei para o quarto e deitei bem quietinho.

Enquanto a minha irmã feliz com a boneca. Eu pensava que "que saco essa bonequinha branca", será que ela não vê que somos da cor do café, do bronze.
A minha vontade era pegar um carvão e pintar aquela boneca, ou usar a graxa de meu pai e fazer a boneca ter a nossa carinha bonita.
 Mas eu naquele momento não podia falar, nem sorrir. Doía demais a virilha. E bem quietinho adormeci.

Minha mãe terminou de fazer a janta e foi me pegar para o banho, e viu que gemi de dor no momento que ela tocou em meu corpo, e segurei a virilha foi ai, que ela disse:

_O que você tem moleque?

Foi aí que ela olhou e viu, a hernia, estourada. E assutada correu para falar em ir num médico, mas como ela era devota de Nossa Senhora Aparecida, correu e veio perguntar se eu tinha fé.

Evidente fui criando numa casa em que havia a ideia de rezar, pra tudo amanhecer, comer, e adormecer. e ela ainda fazia a Ave Maria as seis horas da tarde.

A ideia foi fazer uma visita a Basílica de nossa senhora Aparecida, lá na Boa Vista em São Jose´do Rio Preto-SP, na qual saiamos de casa, onde hoje está a avenida Murchid Homsi e fomos a pé até a Igreja.

O que ela me disse foi mesmo que doer, tenha fé. que assim você curará, pois o médico de pobre é a Fé. do contrário eu estaria num mato sem cachorro.

E isto a minha mãe estava certo. Pois vivemos num capitalismo selvagem em que tudo vale o que você tem. Pra um desgraçado como nós que não tínhamos nada, o que valia o estado e o próprio mercado. Nada.

Fomos lá, debaixo do sol quente, sem tomar água, chegamos ajoelhamos, acendemos a vela num lugar quem provavelmente não era pra colocar lá. Enfim consegui chegar e voltar. E daí como um milagre curei-me.

Fiquei feliz que a Nossa Senhora Aparecia era tão negro quanto eu minha mãe, minha irmã o meu pai, a minhas avós, nossa achei legal demais.

E assim que cheguei a Dinha minha irmã com aquela bonequinha branca que nem um leite nas mãos. Fiquei só olhando e imaginei, deixa ela adormecer, que dou um jeito nesta boneca.

E assim que minha irmãzinha dormiu, peguei a boneca e joguei dentro do fogão. Pois o nosso fogão era de lenha todo vermelho. Mas jogando aquela coisa de plástico no fogo, nossa queimou rápido. eu imaginava que a boneca fosse ficar como nós, hum, mas derreteu toda.

E fiquei bem quietinho. E num demorou ela esqueceu a boneca. E a vida continuou. pelo menos vi todo mundo lindos que nem feitos de café. E sem brinquedo estranho entre nós.


Manoel Messias Pereira

cronista
Membro da Academia de Letrs do Brasil - ALB
São José do Rio Preto -SP. Brasil



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